Frases e palavras de impacto de Fernando Pessoa!

MARIA: Amo como o amor ama. Não sei razão pra amar-te mais que amar-te. Que queres que te diga mais que te amo, Se o que quero dizer-te é que te amo? Não procures no meu coração... Quando te falo, dói-me que respondas Ao que te digo e não ao meu amor. Quando há amor a gente não conversa: Ama-se, e fala-se para se sentir. Posso ouvir-te dizer-me que tu me amas, Sem que mo digas, se eu sentir que me amas. Mas tu dizes palavras com sentido, E esqueces-te de mim; mesmo que fales Só de mim, não te lembras que eu te amo. Ah, não perguntes nada, antes me fala De tal maneira, que, se eu fora surda, Te ouvisse toda com o coração. Se te vejo não sei quem sou; eu amo. Se me faltas, (...) Mas tu fazes, amor, por me faltares Mesmo estando comigo, pois perguntas Quando deves amar-me. Se não amas, Mostra-te indiferente, ou não me queiras, Mas tu és como nunca ninguém foi, Pois procuras o amor pra não amar, E, se me buscas, é como se eu só fosse O Alguém pra te falar de quem tu amas. Diz-me porque é que o amor te faz ser triste? Canso-te? Posso eu cansar-te se amas? Ninguém no mundo amou como tu amas. Sinto que me amas, mas que a nada amas, E não sei compreender isto que sinto. Dize-me qualquer palavra mais sentida Que essas palavras que, como se as perderas, buscas E encontras cinzas. Quando te vi, amei-te já muito antes. Tornei a achar-te quando te encontrei. Nasci pra ti antes de haver o mundo. Não há coisa feliz ou hora alegre Que eu tenha tido pela vida fora, Que não o fosse porque te previa, Porque dormias nela tu futuro, E com essas alegrias e esse prazer Eu viria depois a amar-te. Quando, Criança, eu, se brincava a ter marido, Me faltava crescer e o não sentia, O que me satisfazia eras já tu, E eu soube-o só depois, quando te vi, E tive para mim melhor sentido, E o meu passado foi como uma estrada Iluminada pela frente, quando O carro com lanternas vira a curva Do caminho e já a noite é toda humana. Tens um segredo? Dize-mo, que eu sei tudo De ti, quando m'o digas com a alma. Em palavras estranhas que m'o fales, Eu compreenderei só porque te amo. Se o teu segredo é triste, eu saberei Chorar contigo até que o esqueças todo. Se o não podes dizer, dize que me amas, E eu sentirei sem qu'rer o teu segredo. Quando eu era pequena, sinto que eu Amava-te já hoje, mas de longe, Como as coisas se podem ver de longe, E ser-se feliz só por se pensar Em chegar onde ainda se não chega. Amor, diz qualquer coisa que eu te sinta! FAUSTO: Compreendo-te tanto que não sinto. Oh coração exterior ao meu! Fatalidade filha do destino E das leis que há no fundo deste mundo! Que és tu a mim que eu compreenda ao ponto De o sentir...? MARIA: Para que queres compreender Se dizes qu'rer sentir?

Por Fernando Pessoa

Quero ignorado, e calmo Por ignorado, e próprio Por calmo, encher meus dias De não querer mais deles. Aos que a riqueza toca O ouro irrita a pele. Aos que a fama bafeja Embacia-se a vida. Aos que a felicidade É sol, virá a noite. Mas ao que nada espera Tudo que vem é grato.

Por Fernando Pessoa

Repudiei sempre que me compreendessem. Ser compreendido é prostituir-se. Prefiro ser tomado a sério como o que não sou, ignorado humanamente, com decência e naturalidade.

Por Fernando Pessoa

Tudo é incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada é inteiro

Por Fernando Pessoa

Tudo que existe existe talvez porque outra coisa existe. Nada é, tudo coexiste: talvez assim seja certo.

Por Fernando Pessoa

O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formamos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos. O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceite desde o princípio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida.

Por Fernando Pessoa

A Lua (dizem os ingleses), É feita de queijo verde. Por mais que pense mil vezes Sempre uma idéia se perde. E era essa, era, era essa, Que haveria de salvar Minha alma da dor da pressa De... não sei se é desejar. Sim, todos os meus desejos São de estar sentir pensando... A Lua (dizem os ingleses) É azul de quando em quando.

Por Fernando Pessoa

Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe porque ama, nem o que é amar... Amar é a eterna inocência, E a única inocência é não pensar...

Por Fernando Pessoa

De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos.

Por Fernando Pessoa

Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele Porque pensar é não compreender... O Mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos) Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... Eu não tenho filosofia; tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, Mas porque a amo, e amo-a por isso Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Por Fernando Pessoa

Pensar em Deus é desobedecer a Deus, Porque Deus quis que o não conhecêssemos, Por isso se nos não mostrou... Sejamos simples e calmos, Como os regatos e as árvores, E Deus amar-nos-á fazendo de nós Belos como as árvores e os regatos, E dar-nos-á verdor na sua primavera, E um rio aonde ir ter quando acabemos!...

Por Fernando Pessoa

Sonhe com as estrelas, apenas sonhe, elas só podem brilhar no céu. Não tente deter o vento, ele precisa correr por toda parte, ele tem pressa de chegar, sabe-se lá aonde. As lágrimas? Não as seque, elas precisam correr na minha, na sua, em todas as faces. O sorriso! Esse, você deve segurar, não o deixe ir embora, agarre-o! Persiga um sonho, mas, não o deixe viver sozinho. Alimente a sua alma com amor, cure as suas feridas com carinho. Descubra-se todos os dias, deixe-se levar pelas vontades, mas, não enlouqueça por elas. Abasteça seu coração de fé, não a perca nunca. Alargue seu coração de esperanças, mas, não deixe que ele se afogue nelas. Se achar que precisa voltar, volte! Se perceber que precisa seguir, siga! Se estiver tudo errado, comece novamente. Se estiver tudo certo, continue. Se sentir saudades, mate-as. Se perder um amor, não se perca! Se o achar, segure-o! Circunda-se de rosas, ama, bebe e cala. O mais é nada.

Por Fernando Pessoa

Liberdade Ai que prazer Não cumprir um dever, Ter um livro para ler E não o fazer! Ler é maçada, Estudar é nada. O sol doira Sem literatura. O rio corre, bem ou mal, Sem edição original. E a brisa, essa, De tão naturalmente matinal, Como tem tempo não tem pressa... Livros são papéis pintados com tinta. Estudar é uma coisa em que está indistinta A distinção entre nada e coisa nenhuma. Quanto é melhor, quando há bruma, Esperar por D. Sebastião, Quer venha ou não! Grande é a poesia, a bondade e as danças... Mas o melhor do mundo são as crianças, Flores, música, o luar, e o sol, que peca Só quando, em vez de criar, seca. O mais do que isto É Jesus Cristo, Que não sabia nada de finanças Nem consta que tivesse biblioteca...

Por Fernando Pessoa

Dizem que finjo ou minto Tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto Com a imaginação. Não uso o coração. Tudo o que sou ou passo, O que me falha ou finda, É como que um terraço Sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda. Por isso escrevo em meio Do que não está ao pé, Livre do meu enleio, Sério do que não é. Sentir? Sinta quem lê!

Por Fernando Pessoa

Não sou eu quem descrevo. Eu sou a tela E oculta mão colora alguém em mim. Pus a alma no nexo de perdê-la E o meu princípio floresceu em Fim.

Por Fernando Pessoa

Um cansaço de existir, De ser. Só de ser. O ser triste brilhar ou sorrir...

Por Fernando Pessoa

Como nuvens pelo céu Passam os sonhos por mim. Nenhum dos sonhos é meu Embora eu os sonhe assim. São coisas no alto que são Enquanto a vista as conhece, Depois são sombras que vão Pelo campo que arrefece. Símbolos? Sonhos? Quem torna Meu coração ao que foi? Que dor de mim me transtorna? Que coisa inútil me dói?

Por Fernando Pessoa

POEMA EM LINHA RETA Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo, Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos, Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que venho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Por Fernando Pessoa

Horizonte O mar anterior a nós, teus medos Tinham coral e praias e arvoredos. Desvendadas a noite e a cerração, As tormentas passadas e o mistério, Abria em flor o Longe, e o Sul sidério Splendia sobre sobre as naus da iniciação. Linha severa da longínqua costa Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta Em árvores onde o Longe nada tinha; Mais perto, abre-se a terra em sons e cores: E, no desembarcar, há aves, flores, Onde era só, de longe a abstracta linha. O sonho é ver as formas invisíveis Da distância imprecisa, e, com sensíveis Movimentos da esp'rança e da vontade, Buscar na linha fria do horizonte A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte Os beijos merecidos da Verdade.

Por Fernando Pessoa

AUTOPSICOGRAFIA O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas da roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama o coração.

Por Fernando Pessoa

Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto {…} De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações, e a compreensão profunda de estar sentindo…Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter…

Por Fernando Pessoa

As lentas nuvens fazem sono As lentas nuvens fazem sono, O céu azul faz bom dormir. Bóio, num íntimo abandono, À tona de me não sentir. E é suave, como um correr de água, O sentir que não sou alguém, Não sou capaz de peso ou mágoa. Minha alma é aquilo que não tem. Que bom, à margem do ribeiro Saber que é ele que vai indo... E só em sono eu vou primeiro. E só em sonho eu vou seguindo.

Por Fernando Pessoa

Adagas Cujas Jóias Velhas Galas Adagas cujas jóias velhas galas... Opalesci amar-me entre mãos raras, E fluido a febres entre um lembrar de aras, O convés sem ninguém cheio de malas... O íntimo silêncio das opalas Conduz orientes até jóias caras, E o meu anseio vai nas rotas claras De um grande sonho cheio de ócio e salas... Passa o cortejo imperial, e ao longe O povo só pelo cessar das lanças Sabe que passa o seu tirano, e estruge Sua ovação, e erguem as crianças Mas o teclado as tuas mãos pararam E indefinidamente repousaram...

Por Fernando Pessoa

Já não me importo Já não me importo Até com o que amo ou creio amar. Sou um navio que chegou a um porto E cujo movimento é ali estar. Nada me resta Do que quis ou achei. Cheguei da festa Como fui para lá ou ainda irei Indiferente A quem sou ou suponho que mal sou, Fito a gente Que me rodeia e sempre rodeou, Com um olhar Que, sem o poder ver, Sei que é sem ar De olhar a valer. E só me não cansa O que a brisa me traz De súbita mudança No que nada me faz.

Por Fernando Pessoa

A Criança Que Pensa Em Fadas A CRIANÇA que pensa em fadas e acredita nas fadas Age como um deus doente, mas como um deus. Porque embora afirme que existe o que não existe Sabe como é que as cousas existem, que é existindo, Sabe que existir existe e não se explica, Sabe que não há razão nenhuma para nada existir, Sabe que ser é estar em algum ponto Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.

Por Fernando Pessoa

I/ ABISMO OLHO O TEJO, e de tal arte Que me esquece olhar olhando, E súbito isto me bate De encontro ao devaneando - O que é ser-rio, e correr? O que é está-lo eu a ver? Sinto de repente pouco, Vácuo, o momento, o lugar. Tudo de repente é oco - Mesmo o meu estar a pensar. Tudo - eu e o mundo em redor - Fica mais que exterior. Perde tudo o ser, ficar, E do pensar se me some. Fico sem poder ligar Ser, idéia, alma de nome A mim, à terra e aos céus... E súbito encontro Deus. II/ PASSOU Passou, fora de Quando, De Porquê, e de Passando..., Turbilhão de Ignorado, Sem ter turbilhonado..., Vasto por fora do Vasto Sem ser, que a si se assombra... O Universo é o seu rasto... Deus é a sua sombra... III/ A VOZ DE DEUS Brilha uma voz na noute... De dentro de Fora ouvi-a... Ó Universo, eu sou-te... Oh, o horror da alegria Deste pavor, do archote Se apagar, que me guia! Cinzas de idéia e de nome Em mim, e a voz: Ó mundo, Sermente em ti eu sou-me... Mero eco de mim, me inundo De ondas de negro lume Em que para Deus me afundo. IV/ A QUEDA Da minha idéia do mundo Caí... Vácuo além de profundo, Sem ter Eu nem Ali... Vácuo sem si-próprio, caos De ser pensado como ser... Escada absoluta sem degraus... Visão que se não pode ver... Além-Deus! Além-Deus! Negra calma... Clarão de Desconhecido... Tudo tem outro sentido, ó alma, Mesmo o ter-um-sentido... V/ BRAÇO SEM CORPO BRANDINDO UM GLÁDIO ( Entre a árvore e o vê-la ) Entre a árvore e o vê-la Onde está o sonho? Que arco da ponte mais vela Deus?... E eu fico tristonho Por não saber se a curva da ponte É a curva do horizonte... Entre o que vive e a vida Pra que lado corre o rio? Árvore de folhas vestida - Entre isso e Árvore há fio? Pombas voando - o pombal Está-lhes sempre à direita, ou é real? Deus é um grande Intervalo, Mas entre quê e quê?... Entre o que digo e o que calo Existo? Quem é que me vê? Erro-me... E o pombal elevado Está em torno na pomba, ou de lado? [1913?]

Por Fernando Pessoa

Nada há que tão notavelmente determine o auge de uma civilização, como o conhecimento, nos que a vivem, da esterilidade de todo o esforço, porque nos regem leis implacáveis, que nada revoga nem obstrui. Somos, porventura, servos algemados ao capricho de deuses, mais fortes porém não melhores que nós, subordinados, nós como eles, à regência férrea de um Destino abstracto, superior à justiça e à bondade, alheio ao bem e ao mal.

Por Fernando Pessoa

Uns Versos Quaisquer Vive um momento com saudade dele Já ao vivê-lo . . . Barcas vazias, sempre nos impele Como a um solto cabelo Um vento para longe, e não sabemos, Ao viver, que sentimos ou queremos . . . Demo-nos pois a consciência disto Como de um lago Posto em paisagens de torpor mortiço Sob um céu ermo e vago, E que nossa consciência de nós seja Uma cousa que nada já deseja . . . Assim idênticos à hora toda Em seu pleno sabor, Nossa vida será nossa anteboda: Não nós, mas uma cor, Um perfume, um meneio de arvoredo, E a morte não virá nem tarde ou cedo . . . Porque o que importa é que já nada importe . . . Nada nos vale Que se debruce sobre nós a Sorte, Ou, tênue e longe, cale Seus gestos . . . Tudo é o mesmo . . . Eis o momento . . . Sejamo-lo . . . Pra quê o pensamento?

Por Fernando Pessoa

Aconteceu-me do Alto do Infinito Aconteceu-me do alto do infinito Esta vida. Através de nevoeiros, Do meu próprio ermo ser fumos primeiros, Vim ganhando, e través estranhos ritos De sombra e luz ocasional, e gritos Vagos ao longe, e assomos passageiros De saudade incógnita, luzeiros De divino, este ser fosco e proscrito... Caiu chuva em passados que fui eu. Houve planícies de céu baixo e neve Nalguma cousa de alma do que é meu. Narrei-me à sombra e não me achei sentido. Hoje sei-me o deserto onde Deus teve Outrora a sua capital de olvido...

Por Fernando Pessoa

A qualquer modo todo escuridão Eu sou supremo. Sou o Cristo negro. O que não crê, nem ama — o que só sabe O mistério tornado carne. Há um orgulho atro que me diz Que Sou Deus inconscienciando-me Para humano; sou mais real que o mundo, Por isso odeio-lhe a existência enorme, O seu amontoar de coisas vistas. Como um santo devoto Odeio o mundo, porque o que eu sou E que não sei sentir que sou, conhece-o Por não real e não ali. Por isso odeio-o — Seja eu o destruidor! Seja eu Deus ira!

Por Fernando Pessoa

Só eu, de qualquer modo, não sou o mesmo, e isto é o mesmo também afinal.

Por Fernando Pessoa

Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.

Por Fernando Pessoa

A Falência do Prazer e do Amor Terceiro Tema I Beber a vida num trago, e nesse trago Todas as sensações que a vida dá Em todas as suas formas [...] ..................................................................... Dantes eu queria Embeber-me nas árvores, nas flores, Sonhar nas rochas, mares, solidões. Hoje não, fujo dessa idéia louca: Tudo o que me aproxima do mistério Confrange-me de horror. Quero hoje apenas Sensações, muitas, muitas sensações, De tudo, de todos neste mundo — humanas, Não outras de delírios panteístas Mas sim perpétuos choques de prazer Mudando sempre, Guardando forte a personalidade Para sintetizá-las num sentir. Quero Afogar em bulício, em luz, em vozes, — Tumultuárias [cousas] usuais — o sentimento da desolação Que me enche e me avassala. Folgaria De encher num dia, [...] num trago, A medida dos vícios, inda mesmo Que fosse condenado eternamente — Loucura! — ao tal inferno, A um inferno real. II Alegres camponeses, raparigas alegres e ditosas, Como me amarga n'alma essa alegria! ..................................................................... Nem em criança, ser predestinado, Alegre eu era assim; no meu brincar, Nas minhas ilusões da infância, eu punha O mal da minha predestinação. ..................................................................... Acabemos com esta vida assim! Acabemos! o modo pouco importa! Sofrer mais já não posso. Pois verei — Eu, Fausto — aqueles que não sentem bem Toda a extensão da felicidade, Gozá-la? ..................................................................... Ferve a revolta em mim Contra a causa da vida que me fez Qual sou. E morrerei e deixarei Neste inundo isto apenas: uma vida Só prazer e só gozo, só amor, Só inconsciência em estéril pensamento E desprezo [...] Mas eu como entrarei naquela vida? Eu não nasci para ela. III Melodia vaga Para ti se eleva E, chorando, leva O teu coração, Já de dor exausto, E sonhando o afaga. Os teus olhos, Fausto, Não mais chorarão. IV Já não tenho alma. Dei-a à luz e ao ruído, Só sinto um vácuo imenso onde alma tive... Sou qualquer cousa de exterior apenas, Consciente apenas de já nada ser... Pertenço à estúrdia e à crápula da noite Sou só delas, encontro-me disperso Por cada grito bêbedo, por cada Tom da luz no amplo bojo das botelhas. Participo da névoa luminosa Da orgia e da mentira do prazer. E uma febre e um vácuo que há em mim Confessa-me já morto... Palpo, em torno Da minha alma, os fragmentos do meu ser Com o hábito imortal de perscrutar-me. V Perdido No labirinto de mim mesmo, já Não sei qual o caminho que me leva Dele à realidade humana e clara Cheia de luz [...] alegremente Mas com profunda pesadez em mim Esta alegria, esta felicidade, Que odeio e que me fere [...] ..................................................................... Sinto como um insulto esta alegria — Toda a alegria. Quase que sinto Que rir, é rir — não de mim, mas, talvez, Do meu ser. VI Toda a alegria me gela, me faz ódio. Toda a tristeza alheia me aborrece, Absorto eu na minha, maior muito Que outras [...] ..................................................................... Sinto em mim que a minha alma não tolera Que seja alguém do que ela mais feliz; O riso insulta-me, por existir; Que eu sinto que não quero que alguém ria Enquanto eu não puder. Se acaso tento Sentir, querer, só quero incoerências De indefinida aspiração imensa, Que mesmo no seu sonho é desmedida ... VII tua inconsciência alegre é uma ofensa para mim. O seu riso esbofeteia-me! Tua alegria cospe-me na cara! Oh, com que ódio carnal e espiritual escarro sobre o que na alma humana Fria festas e danças e cantigas... .................................................................... Com que alegria minha, cairia Um raio entre eles! Com que pronto Criaria torturas para eles Só por rirem a vida em minha cara E atirarem à minha face pálida O seu gozo em viver, a poeira — que arda Em meus olhos — dos seus momentos ocos De infância adulta e tudo na alegria! ..................................................................... Ó ódio, alegra-me tu sequer! Faze-me ver a Morte. roendo a todos, Põe-me ria vista os vermes trabalhando Aqueles corpos! [...] VIII Triste horror d'alma, não evoco já Com grata saudade, tristemente, Estas recordações da juventude! Já não sinto saudades, como há pouco Inda as sentia. Vai-se-me embotando, Co'a força de pensar, contínuo e árido, Toda a verdura e flor do pensamento. Ao recordar agora, apenas sinto, Como um cansaço só de ter vivido, Desconsolado e mudo sentimento De ter deixado atrás parte de mim, E saudade de não ter saudade, Saudades dos tempos em que as tinha. Se a minha infância agora evoco, vejo — Estranho! — como uma outra criatura Que me era amiga, numa vaga Objetivada subjetividade. Ora a infância me lembra, como um sonho, Ora a uma distância sem medida No tempo, desfazendo-me em espanto; E a sensação que sinto, ao perceber Que vou passando, já tem mais de horror Que tristeza [...] E nada evoca, a não ser o mistério Que o tempo tem fechado em sua mão. Mas a dor é maior! IX Ó vestidas razões! Dor que é vergonha E por vergonha de si-própria cala A si-mesma o seu nexo! Ó vil e baixa Porca animalidade do animal, Que se diz metafísica por medo A saber-se só baixa ... ..................................................................... Ó horror metafísico de ti! Sentido pelo instinto, não na mente! Vil metafísica do horror da carne, Medo do amor... Entre o teu corpo e o meu desejo dele 'Stá o abismo de seres consciente; Pudesse-te eu amar sem que existisses E possuir-te sem que ali estivesses! Ah, que hábito recluso de pensar Tão desterra o animal que ousar não ouso O que a [besta mais vil] do mundo vil Obra por maquinismo. Tanto fechei à chave, aos olhos de outros, Quanto em mim é instinto, que não sei Com que gestos ou modos revelar Um só instinto meu a olhos que olhem ... ..................................................................... Deus pessoal, deus gente, dos que crêem, Existe, para que eu te possa odiar! Quero alguém a quem possa a maldição Lançar da minha vida que morri, E não o vácuo só da noite muda Que me não ouve. X O horror metafísico de Outrem! O pavor de uma consciência alheia Como um deus a espreitar-me! Quem me dera Ser a única [cousa ou] animal Para não ter olhares sobre mim! XI Um corpo humano! Às vezes eu, olhando o próprio corpo, Estremecia de terror ao vê-lo Assim na realidade, tão carnal. XII ................................................. Sinto horror À significação que olhos humanos Contém... ..................................................................... Sinto preciso Ocultar o meu íntimo aos olhares E aos perscrutamentos que olhares mostram; Não quero que ninguém saiba o que sinto, Além de que o não posso a alguém dizer... XIII Com que gesto de alma Dou o passo de mim até à posse Do corpo de outros, horrorosamente Vivo, consciente, atento a mim, tão ele Como eu sou eu. XIV Não me concebo amando, nem dizendo A alguém "eu te amo" — sem que me conceba Com uma outra alma que não é a minha Toda a expansão e transfusão de vida Me horroriza, como a avaro a idéia De gastar e gastar inutilmente — Inda que no gastar se [extraia] gozo. XV Quando se adoram, vividos, Dois seres juvenis e naturais Parece que harmonias se derramam Como perfumes pela terra em flor. Mas eu, ao conceber-me amando, sinto Como que um gargalhar hórrido e fundo Da existência em mim, como ridículo E desusado no que é natural. Nunca, senão pensando no amor, Me sinto tão longínquo e deslocado, Tão cheio de ódios contra o meu destino. — De raivas contra a essência do viver. XVI Vendo passar amantes Nem propriamente inveja ou ódio sinto, Mas um rancor e uma aversão imensos Ao universo inteiro, por cobri-los. XVII O amor causa-me horror; é abandono, Intimidade... ... Não sei ser inconsciente E tenho para tudo [...] A consciência, o pensamento aberto Tornando-o impossível. E eu tenho do alto orgulho a timidez E sinto horror a abrir o ser a alguém, A confiar n’alguém. Horror eu sinto A que perscrute alguém, ou levemente Ou não, quaisquer recantos do meu ser. Abandonar-me em braços nus e belos (Inda que deles o amor viesse) No conceber do todo me horroriza; Seria violar meu ser profundo, Aproximar-me muito de outros homens. Uma nudez qualquer — espírito ou corpo — Horroriza-me: acostumei-me cedo Nos despimentos do meu ser A fixar olhos pudicos, conscientes. Do mais. Pensar em dizer "amo-te" E "amo-te" só — só isto, me angustia... XVIII [...] eu mesmo Sinto esse frio coração em mim Admirado de ser um coração Tão frio está. XIX Seria doce amar, cingir a mim Um corpo de mulher, mais frio e grave e feito em tudo, transcendentalmente O pensamento agrada-me, e confrange-me Do terror de perto, e [junto] Em sensação ao meu, um outro corpo. Gelada mão misteriosa cai Sobre a imaginação [...] XX É isto o amor? Só isto? [...] ..................................................................... Sinto ânsias, desejos, Mas não com meu ser todo. Alguma cousa No íntimo meu, alguma cousa ali — Fria, pesada, muda — permanece. [P'ra] isto deixei eu a vida antiga Que já bem não concebo, parecendo Vaga já. Já não sinto a agonia muda e funda Mas uma, menos funda e dolorosa, [Bem] mais terrível raiva [...] De movimentos íntimos, desejos Que são como rancores. Um cansaço violento e desmedido De existir e sentir-me aqui, e um ódio Nascido disto, vago e horroroso, A tudo e todos... XXI — Amo como o amor ama. Não sei razão pra amar-te mais que amar-te. Que queres que te diga mais que te amo, Se o que quero dizer-te é que te amo? ..................................................................... Quando te falo, dói-me que respondas Ao que te digo e não ao meu amor. ..................................................................... Ah! não perguntes nada; antes me fala De tal maneira, que, se eu fora surda, Te ouvisse todo com o coração. Se te vejo não sei quem sou: eu amo. Se me faltas [...] ... Mas tu fazes, amor, por me faltares Mesmo estando comigo, pois perguntas — Quando é amar que deves. Se não amas, Mostra-te indiferente, ou não me queiras, Mas tu és como nunca ninguém foi, Pois procuras o amor pra não amar, E, se me buscas, é como se eu só fosse Alguém pra te falar de quem tu amas. ..................................................................... Quando te vi amei-te já muito antes: Tornei a achar-te quando te encontrei. Nasci pra ti antes de haver o mundo. Não há cousa feliz ou hora alegre Que eu tenha tido pela vida fora, Que o não fosse porque te previa, Porque dormias nela tu futuro. ..................................................................... E eu soube-o só depois, quando te vi, E tive para mim melhor sentido, E o meu passado foi como uma 'strada Iluminada pela frente, quando O carro com lanternas vira a curva Do caminho e já a noite é toda humana. ..................................................................... Quando eu era pequena, sinto que eu Amava-te já longe, mas de longe... ..................................................................... Amor, diz qualquer cousa que eu te sinta! — Compreendo-te tanto que não sinto, Oh coração exterior ao meu! Fatalidade, filha do destino E das leis que há no fundo deste mundo! Que és tu a mim que eu compreenda ao ponto De o sentir...? ..................................................................... XXII Pra que te falar? Ninguém me irmana Os pensamentos na compreensão. Sou só por ser supremo, e tudo em mim É maior. XXIII Reza por mim! A mais não me enterneço. Só por mim mesmo sei enternecer-me, Soba a ilusão de amar e de sentir em que forçadamente me detive. Reza por mim, por mim! Eis a que chega A minha tentativa [em] querer amar.

Por Fernando Pessoa

Meu coração é um balde despejado. Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco A mim mesmo e não encontro nada

Por Fernando Pessoa

Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. Ambos existem; cada um como é.

Por Fernando Pessoa

Não tenho ambições nem desejos. ser poeta não é uma ambição minha. É a minha maneira de estar sozinho. Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz E corre um silêncio pela erva fora. Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe porque ama, nem sabe o que é amar... Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo... Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer, Porque eu sou do tamanho do que vejo E não do tamanho da minha altura... A mim ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas Quando a gente as tem na mão E olha devagar para elas.

Por Fernando Pessoa

Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer - eu sou eu?

Por Fernando Pessoa

Estou só e sonho saudade. E como é branca de graça A paisagem que não sei, Vista de trás da vidraça Do lar que nunca terei!

Por Fernando Pessoa

Sonhei, confuso, e o sono foi disperso, Mas, quando despertei da confusão, Vi que esta vida aqui e este universo Não são mais claros do que os sonhos são Obscura luz paira onde estou converso A esta realidade da ilusão Se fecho os olhos, sou de novo imerso Naquelas sombras que há na escuridão. Escuro, escuro, tudo, em sonho ou vida, É a mesma mistura de entre-seres Ou na noite, ou ao dia transferida. Nada é real, nada em seus vãos moveres Pertence a uma forma definida, Rastro visto de coisa só ouvida.

Por Fernando Pessoa

Exteriorizar impressões é mais persuadirmo-nos de que as temos do que termo-las.

Por Fernando Pessoa

Sem a loucura que é o homem Mais que a besta sadia, Cadáver adiado que procria?

Por Fernando Pessoa

Ao longe, ao luar Ao longe, ao luar, No rio uma vela, Serena a passar, Que é que me revela ? Não sei, mas meu ser Tornou-se-me estranho, E eu sonho sem ver Os sonhos que tenho. Que angústia me enlaça ? Que amor não se explica ? É a vela que passa Na noite que fica.

Por Fernando Pessoa

Trago dentro do meu coração, Como num cofre que se não pode fechar de cheio, Todos os lugares onde estive, Todos os portos a que cheguei, Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias, Ou de tombadilhos, sonhando, E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero. (Álvaro de Campos)

Por Fernando Pessoa

Eu, eu mesmo... Eu, cheio de todos os cansaços Quantos o mundo pode dar. – Eu... Afinal tudo, porque tudo é eu, E até as estrelas, ao que parece, Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças... Que crianças não sei... Eu... Imperfeito? Incógnito? Divino? Não sei... Eu... Tive um passado? Sem dúvida... Tenho um presente? Sem dúvida... Terei um futuro? Sem dúvida... A vida que pare de aqui a pouco... Mas eu, eu... Eu sou eu, Eu fico eu, Eu...

Por Fernando Pessoa

Nenhum livro para crianças deve ser escrito para crianças.

Por Fernando Pessoa

I - Primeira Parte: Brasão Bellum sine bello. I. OS CAMPOS PRIMEIRO / O DOS CASTELOS A Europa jaz, posta nos cotovelos: De Oriente a Ocidente jaz, fitando, E toldam-lhe românticos cabelos Olhos gregos, lembrando. O cotovelo esquerdo é recuado; O direito é em ângulo disposto. Aquele diz Itália onde é pousado; Este diz Inglaterra onde, afastado, A mão sustenta, em que se apoia o rosto. Fita, com olhar sphyngico e fatal, O Ocidente, futuro do passado. O rosto com que fita é Portugal. SEGUNDO / O DAS QUINAS Os Deuses vendem quando dão. Comprase a glória com desgraça. Ai dos felizes, porque são Só o que passa! Baste a quem baste o que Ihe basta O bastante de Ihe bastar! A vida é breve, a alma é vasta: Ter é tardar. Foi com desgraça e com vileza Que Deus ao Cristo definiu: Assim o opôs à Natureza E Filho o ungiu. II. OS CASTELOS PRIMEIRO / ULISSES O mytho é o nada que é tudo. O mesmo sol que abre os céus É um mytho brilhante e mudo —- O corpo morto de Deus, Vivo e desnudo. Este, que aqui aportou, Foi por não ser existindo. Sem existir nos bastou. Por não ter vindo foi vindo E nos criou. Assim a lenda se escorre A entrar na realidade, E a fecundá-la decorre. Em baixo, a vida, metade De nada, morre. SEGUNDO / VIRIATO Se a alma que sente e faz conhece Só porque lembra o que esqueceu, Vivemos, raça, porque houvesse Memória em nós do instinto teu. Nação porque reencarnaste, Povo porque ressuscitou Ou tu, ou o de que eras a haste — Assim se Portugal formou. Teu ser é como aquela fria Luz que precede a madrugada, E é ja o ir a haver o dia Na antemanhã, confuso nada. TERCEIRO / O CONDE D. HENRIOUE Todo começo é involuntáario. Deus é o agente. O herói a si assiste, vário E inconsciente. À espada em tuas mãos achada Teu olhar desce. «Que farei eu com esta espada?» Ergueste-a, e fez-se. QUARTO / D. TAREJA As naçôes todas são mystérios. Cada uma é todo o mundo a sós. Ó mãe de reis e avó de impérios, Vela por nós! Teu seio augusto amamentou Com bruta e natural certeza O que, imprevisto, Deus fadou. Por ele reza! Dê tua prece outro destino A quem fadou o instinto teu! O homem que foi o teu menino Envelheceu. Mas todo vivo é eterno infante Onde estás e não há o dia. No antigo seio, vigilante, De novo o cria! QUINTO / D. AFONSO HENRIQUES Pai, foste cavaleiro. Hoje a vigília é nossa. Dá-nos o exemplo inteiro E a tua inteira força! Dá, contra a hora em que, errada, Novos infiéis vençam, A bênção como espada, A espada como benção! SEXTO / D. DINIS Na noite escreve um seu Cantar de Amigo O plantador de naus a haver, E ouve um silêncio múrmuro consigo: É o rumor dos pinhais que, como um trigo De Império, ondulam sem se poder ver. Arroio, esse cantar, jovem e puro, Busca o oceano por achar; E a fala dos pinhais, marulho obscuro, É o som presente desse mar futuro, É a voz da terra ansiando pelo mar. SÉTIMO (I) / D. JOÃO O PRIMEIRO O homem e a hora são um só Quando Deus faz e a história é feita. O mais é carne, cujo pó A terra espreita. Mestre, sem o saber, do Templo Que Portugal foi feito ser, Que houveste a glória e deste o exemplo De o defender. Teu nome, eleito em sua fama, É, na ara da nossa alma interna, A que repele, eterna chama, A sombra eterna. SÉTIMO (II) / D. FILIPA DE LENCASTRE Que enigma havia em teu seio Que só gênios concebia? Que arcanjo teus sonhos veio Velar, maternos, um dia? Volve a nós teu rosto sério, Princesa do Santo Graal, Humano ventre do Império, Madrinha de Portugal! III. AS QUINAS PRIMEIRA / D. DUARTE, REI DE PORTUGAL Meu dever fez-me, como Deus ao mundo. A regra de ser Rei almou meu ser, Em dia e letra escrupuloso e fundo. Firme em minha tristeza, tal vivi. Cumpri contra o Destino o meu dever. Inutilmente? Não, porque o cumpri. SEGUNDA / D. FERNANDO, INFANTE DE PORTUGAL Deu-me Deus o seu gládio, porque eu faça A sua santa guerra. Sagrou-me seu em honra e em desgraça, Às horas em que um frio vento passa Por sobre a fria terra. Pôs-me as mãos sobre os ombros e doirou-me A fronte com o olhar; E esta febre de Além, que me consome, E este querer grandeza são seu nome Dentro em mim a vibrar. E eu vou, e a luz do gládio erguido dá Em minha face calma. Cheio de Deus, não temo o que virá, Pois venha o que vier, nunca será Maior do que a minha alma. TERCEIRA / D. PEDRO, REGENTE DE PORTUGAL Claro em pensar, e claro no sentir, É claro no querer; Indiferente ao que há em conseguir Que seja só obter; Dúplice dono, sem me dividir, De dever e de ser — Não me podia a Sorte dar guarida Por não ser eu dos seus. Assim vivi, assim morri, a vida, Calmo sob mudos céus, Fiel à palavra dada e à idéia tida. Tudo o mais é com Deus! QUARTA / D. JOÃO, INFANTE DE PORTUGAL Não fui alguém. Minha alma estava estreita Entre tão grandes almas minhas pares, Inutilmente eleita, Virgemmente parada; Porque é do português, pai de amplos mares, Querer, poder só isto: O inteiro mar, ou a orla vã desfeita — O todo, ou o seu nada. QUINTA / D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL Louco, sim, louco, porque quis grandeza Qual a Sorte a não dá. Não coube em mim minha certeza; Por isso onde o areal está Ficou meu ser que houve, não o que há. Minha loucura, outros que me a tomem Com o que nela ia. Sem a loucura que é o homem Mais que a besta sadia, Cadáver adiado que procria? IV. A COROA NUN'ÁLVARES PEREIRA Que auréola te cerca? É a espada que, volteando. Faz que o ar alto perca Seu azul negro e brando. Mas que espada é que, erguida, Faz esse halo no céu? É Excalibur, a ungida, Que o Rei Artur te deu. 'Sperança consumada, S. Portugal em ser, Ergue a luz da tua espada Para a estrada se ver! V. O TIMBRE A CABEÇA DO GRIFO / O INFANTE D. HENRIOUE Em seu trono entre o brilho das esferas, Com seu manto de noite e solidão, Tem aos pés o mar novo e as mortas eras — O único imperador que tem, deveras, O globo mundo em sua mão. UMA ASA DO GRIFO / D. JOÃO O SEGUNDO Braços cruzados, fita além do mar. Parece em promontório uma alta serra — O limite da terra a dominar O mar que possa haver além da terra. Seu formidavel vulto solitário Enche de estar presente o mar e o céu E parece temer o mundo vário Que ele abra os braços e lhe rasgue o véu. A OUTRA ASA DO GRIFO / AFONSO DE ALBUQUEROUE De pé, sobre os países conquistados Desce os olhos cansados De ver o mundo e a injustiça e a sorte. Não pensa em vida ou morte Tão poderoso que não quer o quanto Pode, que o querer tanto Calcara mais do que o submisso mundo Sob o seu passo fundo. Três impérios do chão lhe a Sorte apanha. Criou-os como quem desdenha.

Por Fernando Pessoa

O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte do desenvolvimento superior dela - em segui-la pois mimeticamente com uma insubordinação inconsciente e feliz.

Por Fernando Pessoa

Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a idéia que fazemos de alguém. É um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos. Isto é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma idéia nossa.(...) As relações entre uma alma e outra, através de coisas tão incertas e divergentes como as palavras comuns e os gestos que se empreendem, são matéria de estranha complexidade. No próprio ato em que nos conhecemos, nos desconhecemos. Dizem os dois 'amo-te' ou pensam-no e sentem-no por troca, e cada uma quer dizer uma idéia diferente, uma vida diferente, até, porventura, uma cor ou um aroma diferente, na soma abstracta de impressões que constiui a atividade da alma.

Por Fernando Pessoa

Sábio é quem se contenta com o espetáculo do mundo.

Por Fernando Pessoa

"Nem esta obra, nem as que se lhe seguirão têm nada que ver com quem as escreve. Ele nem concorda com o que nelas vai escrito, nem discorda. Como se lhe fosse ditado, escreve; e, como se lhe fosse ditado por quem fosse amigo, e portanto com razão lhe pedisse para que escrevesse o que ditava, achava interessante - porventura só por amizade - o que, ditado, vai escrevendo"

Por Fernando Pessoa

Pouco importa de onde a brisa Traz o olor que nela vem. O coração não precisa De saber o que é o bem. A mim me basta nesta hora A melodia que embala. Que importa se, sedutora, As forças da alma cala? Quem sou, p'ra que o mundo perca Com o que penso a sonhar? Se a melodia me cerca Vivo só o me cercar...

Por Fernando Pessoa

Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.

Por Fernando Pessoa

Abat-Jour A lâmpada acesa (Outrem a acendeu) Baixa uma beleza Sobre o chão que é meu. No quarto deserto Salvo o meu sonhar, Faz no chão incerto Um círculo a ondear. E entre a sombra e a luz Que oscila no chão Meu sonho conduz Minha inatenção. Bem sei... Era dia E longe de aqui... Quanto me sorria O que nunca vi! E no quarto silente Com a luz a ondear Deixei vagamente Até de sonhar...

Por Fernando Pessoa

Quando estou só reconheço Quando estou só reconheço Se por momentos me esqueço Que existo entre outros que são Como eu sós, salvo que estão Alheados desde o começo. E se sinto quanto estou Verdadeiramente só, Sinto-me livre mas triste. Vou livre para onde vou, Mas onde vou nada existe. Creio contudo que a vida Devidamente entendida É toda assim, toda assim. Por isso passo por mim Como por cousa esquecida.

Por Fernando Pessoa

Toda a poesia - e a canção é uma poesia ajudada - reflete o que a alma não tem. Por isso a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste.

Por Fernando Pessoa

Qualquer coisa de obscuro permanece No centro do meu ser. Se me conheço, É até onde, por fim mal, tropeço No que de mim em mim de si se esquece. Aranha absurda que uma teia tece Feita de solidão e de começo Fruste, meu ser anónimo confesso Próprio e em mim mesmo a externa treva desce. Mas, vinda dos vestígios da distância Ninguém trouxe ao meu pálio por ter gente Sob ele, um rasgo de saudade ou ânsia. Remiu-se o pecador impenitente À sombra e cisma. Teve a eterna infância, Em que comigo forma um mesmo ente.

Por Fernando Pessoa

Nada sou, nada posso, nada sigo. Trago, por ilusão, meu ser comigo Não compreendo, compreender nem sei Se hei de ser, sendo nada, o que serei?

Por Fernando Pessoa

Minha dor é velha Como um frasco de essência cheio de pó. Minha dor é inútil Como uma gaiola numa terra onde não há aves, E minha dor é silenciosa e triste Como a parte da praia onde o mar não chega. Chego às janelas Dos palácios arruinados E cismo de dentro para fora Para me consolar do presente. Dá-me rosas, rosas, E lírios também...

Por Fernando Pessoa

A maioria pensa com a sensibilidade, e eu sinto com o pensamento. Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar.

Por Fernando Pessoa

Todo o homem de ação é essencialmente animado e otimista porque quem não sente é feliz.

Por Fernando Pessoa

Os meus pensamentos são contentes. Só tenho pena de saber que eles são contentes, Porque, se o não soubesse, Em vez de serem contentes e tristes, Seriam alegres e contentes

Por Fernando Pessoa

Tudo quanto fazemos, na arte ou na vida, é a cópia imperfeita do que pensamos em fazer. Desdiz não só da perfeição externa, senão da perfeição interna; falha não só à regra do que deveria ser, senão à regra do que julgávamos que poderia ser. Somos ocos não só por dentro, senão também por fora, párias da antecipação e da promessa.

Por Fernando Pessoa

Acho tão natural que não se pense Que me ponho a rir às vezes, sozinho, Não sei bem de quê, mas é de qualquer cousa Que tem que ver com haver gente que pensa... Que pensará o meu muro da minha sombra? Pergunto-me às vezes isto até dar por mim A perguntar-me cousas... E então desagrado-me, e incomodo-me Como se desse por mim com um pé dormente... Que pensará isto de aquilo? Nada pensa nada. Terá a terra consciência das pedras e plantas que tem? Se ela a tiver, que a tenha... Que me importa isso a mim? Se eu pensasse nessas cousas, Deixaria de ver as árvores e as plantas E deixava de ver a Terra, Para ver só os meus pensamentos... Entristecia e ficava às escuras. E assim, sem pensar tenho a Terra e o Céu. (Acho tão Natural que não se Pense)

Por Fernando Pessoa

O gênio, o crime e a loucura, provêm, por igual, de uma anormalidade; representam, de diferentes maneiras, uma inadaptabilidade ao meio.

Por Fernando Pessoa

A ciência descreve as coisas como são; a arte, como são sentidas, como se sente que são.

Por Fernando Pessoa

Sábio é quem monotoniza a existência, pois então cada pequeno incidente tem um privilégio de maravilha. O caçador de leões não tem aventura para além do terceiro leão. Para o meu cozinheiro monótono uma cena de bofetadas na rua tem sempre qualquer coisa de apocalipse modesto. Quem nunca saiu de Lisboa viaja no infinito no carro até Benfica, e, se um dia vai a Sintra, sente que viajou até Marte. O viajante que percorreu toda a terra não encontra de cinco mil milhas em diante novidade, porque encontra só coisas novas; outra vez a novidade, a velhice do eterno novo, mas o conceito abstracto de novidade ficou no mar com a segunda delas.

Por Fernando Pessoa

Viver não é necessário. Necessário é criar.

Por Fernando Pessoa

Ñ há critérios de verdade s/ñ concordar consigo próprio!

Por Fernando Pessoa

Não é o tédio a doença do aborrecimento de nada ter que fazer, mas a doença maior de se sentir que não vale a pena fazer nada.

Por Fernando Pessoa

As nações são todas mistérios. / Cada uma é todo o mundo a sós.

Por Fernando Pessoa

Podemos morrer se apenas amámos.

Por Fernando Pessoa

Como é por dentro outra pessoa? Quem é que o saberá sonhar? A alma de outrem é outro universo Com que não há comunicação possível, Com que não há verdadeiro entendimento. Nada sabemos da alma Senão da nossa; As dos outros são olhares, São gestos, são palavras, Com a suposição De qualquer semelhança no fundo.

Por Fernando Pessoa

Eros e Psique ...E assim vêdes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade. (Do Ritual Do Grau De Mestre Do Átrio Na Ordem Templária De Portugal) Conta a lenda que dormia Uma Princesa encantada A quem só despertaria Um Infante, que viria De além do muro da estrada. Ele tinha que, tentado, Vencer o mal e o bem, Antes que, já libertado, Deixasse o caminho errado Por o que à Princesa vem. A Princesa Adormecida, Se espera, dormindo espera, Sonha em morte a sua vida, E orna-lhe a fronte esquecida, Verde, uma grinalda de hera. Longe o Infante, esforçado, Sem saber que intuito tem, Rompe o caminho fadado, Ele dela é ignorado, Ela para ele é ninguém. Mas cada um cumpre o Destino Ela dormindo encantada, Ele buscando-a sem tino Pelo processo divino Que faz existir a estrada. E, se bem que seja obscuro Tudo pela estrada fora, E falso, ele vem seguro, E vencendo estrada e muro, Chega onde em sono ela mora, E, inda tonto do que houvera, À cabeça, em maresia, Ergue a mão, e encontra hera, E vê que ele mesmo era A Princesa que dormia.

Por Fernando Pessoa

Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se não o fizerem ali?

Por Fernando Pessoa

A vida é para nós o que concebemos dela. Para o rústico cujo campo lhe é tudo, esse campo é um império. Para o César cujo império lhe ainda é pouco, esse império é um campo. O pobre possui um império; o grande possui um campo. Na verdade, não possuímos mais que as nossas próprias sensações; nelas, pois, que não no que elas vêem, temos que fundamentar a realidade da nossa vida.

Por Fernando Pessoa

Segue o teu destino, Rega as tuas plantas, Ama as tuas rosas. O resto é a sombra De árvores alheias. A realidade Sempre é mais ou menos Do que nós queremos. Só nós somos sempre Iguais a nós-próprios. Suave é viver só. Grande e nobre é sempre Viver simplesmente. Deixa a dor nas aras Como ex-voto aos deuses.

Por Fernando Pessoa

Que sei eu do que serei eu que não sei o que sou? Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa! E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!

Por Fernando Pessoa

Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir - é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida.

Por Fernando Pessoa

Alma e Realidade, Duas Paisagens Sobrepostas 1 - Em todo o momento de atividade mental acontece em nós um duplo fenômeno de percepção: ao mesmo tempo que temos consciência de um estado de alma, temos diante de nós, impressionando-nos os sentidos que estão virados para o exterior, uma paisagem qualquer, entendendo por paisagem, para conveniência de frases, tudo o que forma o mundo exterior num determinado momento da nossa percepção. 2 - Todo o estado de alma é uma passagem. Isto é, todo o estado de alma é não só representável por uma paisagem, mas verdadeiramente uma paisagem. Há em nós um espaço interior onde a matéria da nossa vida física se agita. Assim uma tristeza é um lago morto dentro de nós, uma alegria um dia de sol no nosso espírito. E - mesmo que se não queira admitir que todo o estado de alma é uma paisagem - pode ao menos admitir-se que todo o estado de alma se pode representar por uma paisagem. Se eu disser "Há sol nos meus pensamentos", ninguém compreenderá que os meus pensamentos são tristes. 3 - Assim, tendo nós, ao mesmo tempo, consciência do exterior e do nosso espírito, e sendo o nosso espírito uma paisagem, temos ao mesmo tempo consciência de duas paisagens. Ora, essas paisagens fundem-se, interpenetram-se, de modo que o nosso estado de alma, seja ele qual for, sofre um pouco da paisagem que estamos vendo - num dia de sol uma alma triste não pode estar tão triste como num dia de chuva - e, também, a paisagem exterior sofre do nosso estado de alma - é de todos os tempos dizer-se, sobretudo em verso, coisas como que «na ausência da amada o sol não brilha», e outras coisas assim. De maneira que a arte que queira representar bem a realidade terá de a dar através duma representação simultânea da paisagem interior e da paisagem exterior. Resulta que terá de tentar dar uma intersecção de duas paisagens. Têm de ser duas paisagens, mas pode ser - não se querendo admitir que um estado de alma é uma paisagem - que se queira simplesmente interseccionar um estado de alma (puro e simples sentimento) com a paisagem exterior. [...]

Por Fernando Pessoa

Ler é sonhar pela mão de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo.

Por Fernando Pessoa

Quando é que eu serei da tua cor, Do teu plácido e azul encanto, Ó claro dia exterior, Ó céu mais útil que o meu pranto?

Por Fernando Pessoa

Todo o prazer é um vício, porque buscar o prazer é o que todos fazem na vida, e o único vício negro é fazer o que todos fazem.

Por Fernando Pessoa

Eu sou aquilo que perdi.

Por Fernando Pessoa

o único mistério é haver quem pense no mistério

Por Fernando Pessoa

Conformar-se é submeter-se e vencer é conformar-se, ser vencido. Por isso toda a vitória é uma grosseria. Os vencedores perdem sempre todas as qualidades de desalento com o presente que os levaram à luta que lhes deu a vitória. Ficam satisfeitos, e satisfeito só pode estar aquele que se conforma, que não tem a mentalidade do vencedor. Vence só quem nunca consegue.

Por Fernando Pessoa

Que fiz de mim? Encontrei-me Quando estava já perdido, Impaciente deixei-me Como a um louco que teime No que lhe foi desmentido

Por Fernando Pessoa

Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens.

Por Fernando Pessoa

Tenho tanto sentimento Tenho tanto sentimento Que é frequente persuadir-me De que sou sentimental, Mas reconheço, ao medir-me, Que tudo isso é pensamento, Que não senti afinal. Temos, todos que vivemos, Uma vida que é vivida E outra vida que é pensada, E a única vida que temos É essa que é dividida Entre a verdadeira e a errada. Qual porém é a verdadeira E qual errada, ninguém Nos saberá explicar; E vivemos de maneira Que a vida que a gente tem É a que tem que pensar.

Por Fernando Pessoa

O Homem é do tamanho do seu sonho.

Por Fernando Pessoa

Eros e Psique Conta a lenda que dormia Uma Princesa encantada A quem só despertaria Um Infante, que viria De além do muro da estrada. Ele tinha que, tentado, Vencer o mal e o bem, Antes que, já libertado, Deixasse o caminho errado Por o que à Princesa vem. A Princesa adormecida, Se espera, dormindo espera, Sonha em morte a sua vida, E orna-lhe a fronte esquecida, Verde, uma grinalda de hera. Longe o Infante, esforçado, Sem saber que intuito tem, Rompe o caminho fadado, Ele dela é ignorado, Ela para ele é ninguém. Mas cada um cumpre o destino Ela dormindo encantada, Ele buscando-a sem tino Pelo processo divino Que faz existir a estrada. E, se bem que seja obscuro Tudo pela estrada fora, E falso, ele vem seguro, E vencendo estrada e muro, Chega onde em sono ela mora, E, inda tonto do que houvera, À cabeça, em maresia, Ergue a mão, e encontra hera, E vê que ele mesmo era A Princesa que dormia.

Por Fernando Pessoa

Onde você vê a teimosia, alguém vê a ignorância, um outro compreende as limitações do companheiro, percebendo que cada qual caminha em seu próprio passo. E que é inútil querer apressar o passo do outro, a não ser que ele deseje isso.

Por Fernando Pessoa

Pode ser que nos guie uma ilusão; a consciência, porém, é que nos não guia.

Por Fernando Pessoa

Abdicação Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços E chama-me teu filho. Eu sou um rei que voluntariamente abandonei O meu trono de sonhos e cansaços. Minha espada, pesada a braços lassos, Em mão viris e calmas entreguei; E meu cetro e coroa — eu os deixei Na antecâmara, feitos em pedaços Minha cota de malha, tão inútil, Minhas esporas de um tinir tão fútil, Deixei-as pela fria escadaria. Despi a realeza, corpo e alma, E regressei à noite antiga e calma Como a paisagem ao morrer do dia.

Por Fernando Pessoa

PRECE Senhor, que és o céu e a terra, que és a vida e a morte! O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu! Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também. Onde nada está tu habitas e onde tudo está - (o teu templo) - eis o teu corpo. Dá-me alma para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome. Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai. [...] Minha vida seja digna da tua presença. Meu corpo seja digno da terra, tua cama. Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar. Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te. Senhor, protege-me e ampara-me. Dá-me que eu me sinta teu. Senhor, livra-me de mim.

Por Fernando Pessoa

O dinheiro é belo, porque é a libertação.

Por Fernando Pessoa

Outras vezes oiço passar o vento, E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Por Fernando Pessoa

Teus olhos entristecem. Teus olhos entristecem Nem ouves o que digo. Dormem, sonham esquecem... Não me ouves, e prossigo. Digo o que já, de triste, Te disse tanta vez... Creio que nunca o ouviste De tão tua que és. Olhas-me de repente De um distante impreciso Com um olhar ausente. Começas um sorriso. Continuo a falar. Continuas ouvindo O que estás a pensar, Já quase não sorrindo. Até que neste ocioso Sumir da tarde fútil, Se esfolha silencioso O teu sorriso inútil.

Por Fernando Pessoa

Deixei atrás os erros do que fui Deixei atrás os erros do que fui, Deixei atrás os erros do que quis E que não pude haver porque a hora flui E ninguém é exato nem feliz. Tudo isso como o lixo da viagem Deixei nas circunstâncias do caminho, No episódio que fui e na paragem, No desvio que foi cada vizinho. Deixei tudo isso, como quem se tapa Por viajar com uma capa sua, E a certa altura se desfaz da capa E atira com a capa para a rua.

Por Fernando Pessoa

Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens.

Por Fernando Pessoa

Fernando Pessoa Cancioneiro Tomamos a Vila depois de um Intenso Bombardeamento A criança loura Jaz no meio da rua. Tem as tripas de fora E por uma corda sua Um comboio que ignora. A cara está um feixe De sangue e de nada. Luz um pequeno peixe — Dos que bóiam nas banheiras — À beira da estrada. Cai sobre a estrada o escuro. Longe, ainda uma luz doura A criação do futuro... E o da criança loura?

Por Fernando Pessoa

Nunca tive dinheiro para poder ter tédio à vontade .

Por Fernando Pessoa

Saber interpor-se constantemente entre si próprio e as coisas é o mais alto grau de sabedoria e prudência.

Por Fernando Pessoa

Saudades, só portugueses Conseguem senti-las bem Porque têm essa palavra Para dizer que as têm.

Por Fernando Pessoa

Alguns têm na vida um grande sonho e faltam a esse sonho. Outros não têm na vida nenhum sonho, e faltam a esse também.

Por Fernando Pessoa

A única maneira de teres sensações novas é construíres-te uma alma nova.

Por Fernando Pessoa

Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Por Fernando Pessoa

Não sei quantas almas tenho Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei. Continuamente me estranho. Nunca me vi nem achei. De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não tem calma. Quem vê é só o que vê, Quem sente não é quem é, Atento ao que sou e vejo, Torno-me eles e não eu. Cada meu sonho ou desejo É do que nasce e não meu. Sou minha própria paisagem; Assisto à minha passagem, Diverso, móbil e só, Não sei sentir-me onde estou. Por isso, alheio, vou lendo Como páginas, meu ser. O que segue não prevendo, O que passou a esquecer. Noto à margem do que li O que julguei que senti. Releio e digo: "Fui eu ?" Deus sabe, porque o escreveu.

Por Fernando Pessoa

Basta Pensar em Sentir Basta pensar em sentir Para sentir em pensar. Meu coração faz sorrir Meu coração a chorar. Depois de parar de andar, Depois de ficar e ir, Hei de ser quem vai chegar Para ser quem quer partir. Viver é não conseguir.

Por Fernando Pessoa

Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se não o fizerem ali?

Por Fernando Pessoa

Circunda-te de rosas, ama, bebe e cala. O mais é nada.

Por Fernando Pessoa

Ah, a Esta Alma Que Não Arde AH, a esta alma que não arde . Não envolve, porque ama, A esperança, ainda que vã, O esquecimento que vive Entre o orvalho da tarde. E o orvalho da manhã

Por Fernando Pessoa

Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto.

Por Fernando Pessoa

Não sei quem sou, que alma tenho. Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros)... Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me ponta traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho. Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas. Como o panteísta se sente árvore (?) e até a flor, eu sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada (?), por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço.

Por Fernando Pessoa

Livros são papéis pintados com tinta

Por Fernando Pessoa

Sentir é estar distraído.

Por Fernando Pessoa

DEVE CHAMAR TRISTEZA Deve chamar-se tristeza Isto que não sei que seja Que me inquieta sem surpresa Saudade que não deseja. Sim, tristeza - mas aquela Que nasce de conhecer Que ao longe está uma estrela E ao perto está não a ter. Seja o que for, é o que tenho. Tudo mais é tudo só. E eu deixo ir o pó que apanho De entre as mãos ricas de pó.

Por Fernando Pessoa

O pensamento pode ter elevação sem ter elegância, e, na proporção em que não tiver elegância, perderá a ação sobre os outros. A força sem a destreza é uma simples massa.

Por Fernando Pessoa

É talvez o último dia da minha vida. Saudei o Sol, levantando a mão direita, Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus, Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais nada.

Por Fernando Pessoa

Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras; Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento. Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.

Por Fernando Pessoa

Quando o amor não tem razão É que o amor incomoda.

Por Fernando Pessoa

Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo.

Por Fernando Pessoa

Nunca amamos ninguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos. Isso é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa.

Por Fernando Pessoa

Precisar de dominar os outros é precisar dos outros. O chefe é um dependente.

Por Fernando Pessoa

O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é

Por Fernando Pessoa

Ter opiniões é estar vendido a si mesmo. Não ter opiniões é existir. Ter todas as opiniões é ser poeta.

Por Fernando Pessoa

Um homem de gênio é produzido por um conjunto complexo de circunstâncias, começando pelas hereditárias, passando pelas do ambiente e acabando em episódios mínimos de sorte.

Por Fernando Pessoa

Que auréola te cerca? É a espada que, volteando. Faz que o ar alto perca Seu azul negro e brando. Mas que espada é que, erguida, Faz esse halo no céu? É Excalibur, a ungida, Que o Rei Artur te deu. 'Sperança consumada, S. Portugal em ser, Ergue a luz da tua espada Para a estrada se ver!

Por Fernando Pessoa

Duvido, portanto penso.

Por Fernando Pessoa

Os críticos podem dizer que determinado poema, longamente ritmado, não quer, afinal, dizer senão que o dia está bom. Mas dizer que o dia está bom é difícil, e o dia bom, ele mesmo, passa. Temos pois que conservar o dia bom em memória florida e prolixa, e assim constelar de novas flores ou de novos astros os campos ou os céus da exterioridade vazia e passageira.

Por Fernando Pessoa

O amor, quando se revela, Não se sabe revelar. Sabe bem olhar p'ra ela, Mas não lhe sabe falar. Quem quer dizer o que sente Não sabe o que há de dizer. Fala: parece que mente... Cala: parece esquecer... Ah, mas se ela adivinhasse, Se pudesse ouvir o olhar, E se um olhar lhe bastasse P'ra saber que a estão a amar! Mas quem sente muito, cala; Quem quer dizer quanto sente Fica sem alma nem fala, Fica só, inteiramente! Mas se isto puder contar-lhe O que não lhe ouso contar, Já não terei que falar-lhe Porque lhe estou a falar...

Por Fernando Pessoa

A celebridade é uma contradição. Parecendo que dá valor e força às criaturas, apenas as desvaloriza e enfraquece.

Por Fernando Pessoa

O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.

Por Fernando Pessoa

Entre o luar e o arvoredo Entre o luar e o arvoredo, Entre o desejo e não pensar Meu ser secreto vai a medo Entre o arvoredo e o luar. Tudo é longínquo, tudo é enredo. Tudo é não ter nem encontrar. Entre o que a brisa traz e a hora, Entre o que foi e o que a alma faz, Meu ser oculto já não chora Entre a hora e o que a brisa traz. Tudo não foi, tudo se ignora. Tudo em silêncio se desfaz.

Por Fernando Pessoa

Nas faldas do Himalaia, o Himalaia é só as faldas do Himalaia. É na distância ou na memória ou na imaginação que o Himalaia é da sua altura, ou talvez um pouco mais alto.

Por Fernando Pessoa

Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.

Por Fernando Pessoa

Eu amo tudo o que foi Tudo o que já não é A dor que já me não dói A antiga e errônea fé O ontem que a dor deixou, O que deixou alegria Só porque foi, e voou E hoje é já outro dia.

Por Fernando Pessoa

A OUTRA Amamos sempre no que temos O que não temos quando amamos. O barco pára, largo os remos E, um a outro,as mãos nos damos. A quem dou as mãos? À Outra. Teus beijos são de mel de boca, São os que sempre pensei dar, E agora a minha boca toca A boca que eu sonhei beijar. De quem é a boca? Da Outra. O remos já caíram na água, O barco faz o que a água quer. Meus braços vingam minha mágoa No abraço quie enfim podem ter. Quem abraço? A Outra. Bem sei, és bela, és quem desejei.. Não deixe a vida que eu deseje Mais que o que pode ser teu beijo E poder ser eu que te beije. Beijo, e em quem penso? Na Outra. Os remos vão perdidos já, O barco vai e não sei para onde. Que fresco o teu sorriso está, Ah, meu amor, e o que ele esconde! Que é do sorriso Da Outra? Ah, talvez, mortos ambos nós, Num outro rio sem lugar Em outro barco outra vez sós Possamos nós recomeçar Que talvez sejas A Outra. Mas não, nem onde essa paisagem É sob eterna luz eterna Te acharei mais que alguém na viagem Que amei com ansiedade terna Por ser parecida Com a Outra. Ah, por ora, idos remos e rumo, Dá-me as mãos, a boca, o teu ser. E façamos desta hora um resumo Do que não poderemos ter. Nesta hora, a única Sê a Outra.

Por Fernando Pessoa

Amei-te e por te amar Só a ti eu não via... Eras o céu e o mar, Eras a noite e o dia... Só quando te perdi É que eu te conheci... Quando te tinha diante Do meu olhar submerso Não eras minha amante... Eras o Universo... Agora que te não tenho, És só do teu tamanho. Estavas-me longe na alma, Por isso eu não te via... Presença em mim tão calma, Que eu a não sentia. Só quando meu ser te perdeu Vi que não eras eu. Não sei o que eras. Creio Que o meu modo de olhar, Meu sentir meu anseio Meu jeito de pensar... Eras minha alma, fora Do Lugar e da Hora... Hoje eu busco-te e choro Por te poder achar Não sequer te memoro Como te tive a amar... Nem foste um sonho meu... Porque te choro eu? Não sei... Perdi-te, e és hoje Real no [...] real... Como a hora que foge, Foges e tudo é igual A si-próprio e é tão triste O que vejo que existe. Em que és [...] fictício, Em que tempo parado Foste o (...) cilício Que quando em fé fechado Não sentia e hoje sinto Que acordo e não me minto... [...] tuas mãos, contudo, Sinto nas minhas mãos, Nosso olhar fixo e mudo Quantos momentos vãos Pra além de nós viveu Nem nosso, teu ou meu... Quantas vezes sentimos Alma nosso contacto Quantas vezes seguimos Pelo caminho abstrato Que vai entre alma e alma... Horas de inquieta calma! E hoje pergunto em mim Quem foi que amei, beijei Com quem perdi o fim Aos sonhos que sonhei... Procuro-te e nem vejo O meu próprio desejo... Que foi real em nós? Que houve em nós de sonho? De que Nós fomos de que voz O duplo eco risonho Que unidade tivemos? O que foi que perdemos? Nós não sonhamos. Eras Real e eu era real. Tuas mãos - tão sinceras... Meu gesto - tão leal... Tu e eu lado a lado... Isto... e isto acabado... Como houve em nós amor E deixou de o haver? Sei que hoje é vaga dor O que era então prazer... Mas não sei que passou Por nós e acordou... Amamo-nos deveras? Amamo-nos ainda? Se penso vejo que eras A mesma que és... E finda Tudo o que foi o amor; Assim quase sem dor. Sem dor... Um pasmo vago De ter havido amar... Quase que me embriago De mal poder pensar... O que mudou e onde? O que é que em nós se esconde? Talvez sintas como eu E não saibas senti-o... Ser é ser nosso véu Amar é encobri-o, Hoje que te deixei É que sei que te amei... Somos a nossa bruma... É pra dentro que vemos... Caem-nos uma a uma As compreensões que temos E ficamos no frio Do Universo vazio... Que importa? Se o que foi Entre nós foi amor, Se por te amar me dói Já não te amar, e a dor Tem um íntimo sentido, Nada será perdido... E além de nós, no Agora Que não nos tem por véus Viveremos a Hora Virados para Deus E n'um (...) mudo Compreenderemos tudo.

Por Fernando Pessoa

Tudo que se passa no onde vivemos é em nós que se passa. Tudo que cessa no que vemos é em nós que cessa.

Por Fernando Pessoa

Nunca sabemos quando somos sinceros. Talvez nunca o sejamos. E mesmo que sejamos sinceros hoje, amanhã podemos sê-lo por coisa contrária.

Por Fernando Pessoa

Sou a Consciência em ódio ao inconsciente, Sou um símbolo incarnado em dor e ódio, Pedaço de alma de possível Deus Arremessado para o mundo Com a saudade pávida da pátria... Ó sistema mentido do universo, Estrelas nadas, sóis irreais, Oh, com que ódio carnal e estonteante Meu ser de desterrado vos odeia! Eu sou o inferno. Sou o Cristo negro, Pregado na cruz ígnea de mim mesmo. Sou o saber que ignora, Sou a insônia da dor e do pensar

Por Fernando Pessoa

Tudo em nós está em nosso conceito do mundo; modificar o nosso conceito do mundo é modificar o mundo para nós, isto é, é modificar o mundo, pois ele nunca será, para nós, senão o que é para nós.

Por Fernando Pessoa

Passado Antes o voo da ave, que passa e não deixa rasto, Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão. A ave passa e esquece, e assim deve ser. O animal, onde já não está e por isso de nada serve, Mostra que já esteve, o que não serve para nada. A recordação é uma traição à Natureza, Porque a natureza de ontem não é Natureza. O que foi não é nada, e lembrar é não ver. Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!

Por Fernando Pessoa

A vida prejudica a expressão da vida. Se eu vivesse um grande amor nunca o poderia contar.

Por Fernando Pessoa

Boa é a vida, mas melhor é o vinho. O amor é bom, mas é melhor o sono.

Por Fernando Pessoa

Entre a árvore e o vê-la Onde está o sonho? Que arco da ponte mais vela Deus?... E eu fico tristonho Por não saber se a curva da ponte É a curva do horizonte... Entre o que vive e a vida Pra que lado corre o rio? Árvore de folhas vestida - Entre isso e Árvore há fio? Pombas voando - o pombal Está-lhes sempre à direita, ou é real? Deus é um grande Intervalo, Mas entre quê e quê?... Entre o que digo e o que calo Existo? Quem é que me vê? Erro-me... E o pombal elevado Está em torno na pomba, ou de lado?

Por Fernando Pessoa

Considerar a nossa maior angústia como um incidente sem importância, não só na vida do universo mas da nossa mesma alma, é o princípio da sabedoria.

Por Fernando Pessoa

Quanto amei ou deixei de amar, é a mesma saudade em mim.

Por Fernando Pessoa

Porque eu sou do tamanho do que vejo E não do tamanho da minha altura...

Por Fernando Pessoa

Amar é cansar-se de estar só: é uma covardia portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos).

Por Fernando Pessoa

O campo é onde não estamos. Ali, só ali, há sombras verdadeiras e verdadeiro arvoredo.

Por Fernando Pessoa

DÁ-ME A VERDADE:dou-te a vida. A vida esquece como a água PASSA, E é coisa morta a coisa que é esquecida. Dá-me a verdade! Como o que nunca foi, a vida esvoaça. Ter o que é certo nas incertas mãos! Saber bem o que nunca pode ser! Tudo isto nos faz ermos e irmãos No nada que nós somos. Dá-me poder sentir, saber querer! Instante inútil entre ser e estar, Momento vácuo entre sonhar ou não, Tudo isto pode ser e não ficar. Dá-me a verdade! Mas deixa-me a mentira ao coração! (Fernando Pessoa)

Por Fernando Pessoa

A beleza de um corpo nu só a sentem as raças vestidas. O pudor vale sobretudo para a sensibilidade como o obstáculo para a energia.

Por Fernando Pessoa

O fim da arte inferior é agradar, o fim da arte média é elevar, o fim da arte superior é libertar.

Por Fernando Pessoa

O mais alto de nós não é mais que um conhecedor mais próximo do oco e do incerto de tudo.

Por Fernando Pessoa

Basta existir para se ser completo.

Por Fernando Pessoa

A felicidade está fora da felicidade.

Por Fernando Pessoa

Sentir tudo de todas as maneiras, Viver tudo de todos os lados, Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo, Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.

Por Fernando Pessoa

A maioria pensa com a sensibilidade, eu sinto com o pensamento.....

Por Fernando Pessoa

Contemplo o lago mudo que a brisa estremece Não sei se penso em tudo ou se o tudo me esquece O lago nada me diz, não sinto a brisa mexe-lo Não sei se sou feliz nem se desejo se-lo Tremulos rincos risonhos na agua adormecida porque fiz eu dos sonhos a minha única vida?

Por Fernando Pessoa

Bendito seja eu por tudo o que não sei gozo tudo isso como quem sabe que há o sol

Por Fernando Pessoa

A renúncia é a libertação. Não querer é poder.

Por Fernando Pessoa

Possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar, porque é extrair de uma coisa a sua essência.

Por Fernando Pessoa

A chuva desce a ladeira A água da chuva desce a ladeira. É uma água ansiosa. Faz lagos e rios pequenos, e cheira A terra a ditosa. Há muitos que contam a dor e o pranto De o amor os não qu'rer... Mas eu, que também não os tenho, o que canto É outra coisa qualquer.

Por Fernando Pessoa

A única atitude intelectual digna de uma criatura superior é a de uma calma e fria compaixão por tudo quanto não é ele próprio. Não que essa atitude tenha o mínimo cunho de justa e verdadeira; mas é tão invejável que é preciso tê-la.

Por Fernando Pessoa

"Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas, Quanto mais personalidades eu tiver, Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver, Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas, Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento, Estiver, sentir, viver, for, Mais possuirei a existência total do universo, Mais completo serei pelo espaço inteiro fora."

Por Fernando Pessoa

Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo. Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha.

Por Fernando Pessoa

Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida.

Por Fernando Pessoa

A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo.

Por Fernando Pessoa

O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.

Por Fernando Pessoa

A Aranha A ARANHA do meu destino Faz teias de eu não pensar. Não soube o que era em menino, Sou adulto sem o achar. É que a teia, de espalhada Apanhou-me o querer ir... Sou uma vida baloiçada Na consciência de existir. A aranha da minha sorte Faz teia de muro a muro... Sou presa do meu suporte.

Por Fernando Pessoa

Sossega, coração! Não desesperes! Talvez um dia, para além dos dias, Encontres o que queres porque o queres. Então, livre de falsas nostalgias, Atingirás a perfeição de seres. Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo! Pobre esperança a de existir somente! Como quem passa a mão pelo cabelo E em si mesmo se sente diferente, Como faz mal ao sonho o concebê-lo! Sossega, coração, contudo! Dorme! O sossego não quer razão nem causa. Quer só a noite plácida e enorme, A grande, universal, solene pausa Antes que tudo em tudo se transforme.

Por Fernando Pessoa

Amar é cansar-se de estar só...

Por Fernando Pessoa

A aranha da minha sorte Faz teia de muro a muro... Sou presa do meu suporte.

Por Fernando Pessoa

Todas as cartas de amor são ridículas, não seriam cartas de amor se não fossem ridículas.

Por Fernando Pessoa

Sentir é criar. Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o Universo não tem ideias.

Por Fernando Pessoa

Correr riscos reais, além de me apavorar, não é por medo que eu sinta excessivamente - perturba-me a perfeita atenção às minhas sensações, o que me incomoda e me despersonaliza.

Por Fernando Pessoa

A Criança Que Ri na Rua A CRIANÇA que ri na rua, A música que vem no acaso, A tela absurda, a estátua nua, A bondade que não tem prazo - Tudo isso excede este rigor Que o raciocínio dá a tudo, E tem qualquer cousa de amor, Ainda que o amor seja mudo

Por Fernando Pessoa

A bondade é a delicadeza das almas grosseiras.

Por Fernando Pessoa

(...) Nem tudo é dias de sol, E a chuva, quando falta muito, pede-se Por isso tomo a infelicidade com a felicidade Naturalmente, como quem não estranha Que haja montanhas e planícies E que haja rochedos e erva... O que é preciso é ser-se natural e calmo Na felicidade ou na infelicidade, Sentir como quem olha, Pensar como quem anda, E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre, E que o poente é belo e é bela a noite que fica... Assim é e assim seja...

Por Fernando Pessoa

A Estrada, Como Uma Senhora A ESTRADA, como uma senhora, Só dá passagem legalmente. Escrevo ao sabor quente da hora Baldadamente. Não saber bem o que se diz É um pouco sol e um pouco alma. Ah, quem me dera ser feliz Teria isto, mais a calma. Bom campo, estrada com cadastro, Legislação entre erva nata. Vou atar a lama com um nastro Só para ver quem ma desata.

Por Fernando Pessoa

A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência. Há inteligências inconscientes - brilhos do espírito, correntes do entendimento, mistérios e filosofias - que têm o mesmo automatismo que os reflexos corpóreos, que a gestão que o fígado e os rins fazem de suas secreções.

Por Fernando Pessoa

Qualquer música, guitarra. Viola, harmônio, realejo. Um canto que se desgarra. Um sonho em que nada vejo.

Por Fernando Pessoa

Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos, Mas nunca ao erro de querer compreender só com a inteligência, Nunca ao defeito de exigir do Mundo Que fosse qualquer cousa que não fosse o Mundo.

Por Fernando Pessoa

Como é por dentro outra pessoa? Quem é que o saberá sonhar? A alma de outrem é outro universo Com que não há comunicação possível, Com que não há verdadeiro entendimento. Nada sabemos da alma Senão da nossa; As dos outros são olhares, São gestos, são palavras, Com a suposição De qualquer semelhança no fundo.

Por Fernando Pessoa

O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade.

Por Fernando Pessoa

A experiência direta é o subterfúgio, ou o esconderijo, daqueles que são desprovidos de imaginação. Os homens de ação são os escravos dos homens de entendimento. As coisas não valem senão na interpretação delas. Uns, pois, criam coisas para que os outros, transmudando-as em significação, as tornem vidas. Narrar é criar, pois viver é apenas ser vivido.

Por Fernando Pessoa

O amor, quando se revela, Não se sabe revelar. Sabe bem olhar p'ra ela, Mas não lhe sabe falar. Quem quer dizer o que sente Não sabe o que há de dizer. Fala: parece que mente... Cala: parece esquecer... Ah, mas se ela adivinhasse, Se pudesse ouvir o olhar, E se um olhar lhe bastasse P'ra saber que a estão a amar! Mas quem sente muito, cala; Quem quer dizer quanto sente Fica sem alma nem fala, Fica só, inteiramente! Mas se isto puder contar-lhe O que não lhe ouso contar, Já não terei que falar-lhe Porque lhe estou a falar...

Por Fernando Pessoa

Sorriso audível das folhas, Não és mais que a brisa ali. Se eu te olho e tu me olhas, Quem primeiro é que sorri? O primeiro a sorrir ri. Ri, e olha de repente, Para fins de não olhar, Para onde nas folhas sente O som do vento passar. Tudo é vento e disfarçar. Mas o olhar, de estar olhando Onde não olha, voltou; E estamos os dois falando O que se não conversou. Isto acaba ou começou

Por Fernando Pessoa

Dorme sobre meu seio, Sem mágoa nem amor... No teu olhar eu leio O íntimo torpor De quem conhece o nada-ser De vida e gozo e dor.

Por Fernando Pessoa

Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. (...) Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que venho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Por Fernando Pessoa

Meu coração triste, meu coração ermo, Tornado a substância dispersa e negada Do vento sem forma, da noite sem termo, Do abismo e do nada!

Por Fernando Pessoa

Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.

Por Fernando Pessoa

Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena.

Por Fernando Pessoa

Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive.

Por Fernando Pessoa

O que me doí não é O que há no coração Mas essas coisas lindas Que nunca existirão...

Por Fernando Pessoa

Se um homem escreve bem só quando está bêbado, dir-lhe-ei: embebede-se. E se ele me disser que o seu fígado sofre com isso respondo: o que é o seu fígado? É uma coisa morta que vive enquanto você vive, e os poemas que escrever vivem sem enquanto. Bernardo Soares

Por Fernando Pessoa

Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.

Por Fernando Pessoa

A Ciência A CIÊNCIA, a ciência, a ciência... Ah, como tudo é nulo e vão! A pobreza da inteligência Ante a riqueza da emoção! Aquela mulher que trabalha Como uma santa em sacrifício, Com tanto esforço dado a ralha! Contra o pensar, que é o meu vício! A ciência! Como é pobre e nada! Rico é o que alma dá e tem.

Por Fernando Pessoa

Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés. O mesmo sempre, graças ao céu e à terra. E aos meus olhos e ouvidos atentos. E à minha clara simplicidade de alma...

Por Fernando Pessoa

A fé é o instinto da ação...

Por Fernando Pessoa

Ah, a Esta Alma Que Não Arde "AH, a esta alma que não arde . Não envolve, porque ama, A esperança, ainda que vã, O esquecimento que vive Entre o orvalho da tarde. E o orvalho da manhã

Por Fernando Pessoa

Nenhuma ideia brilhante consegue entrar em circulação se não agregando a si qualquer elemento de estupidez. O pensamento colectivo é estúpido porque é colectivo: nada passa as barreiras do colectivo sem deixar nelas, como real de água, a maior parte da inteligência que traga consigo.

Por Fernando Pessoa

As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais.

Por Fernando Pessoa

Sou um guardador de rebanhos, O rebanho é os meus pensamentos E os meus pensamentos são todos sensações. Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca. Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la E comer um fruto é saber-lhe o sentido. Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de gozá-lo tanto, E me deito ao comprido na erva, E fecho os olhos quentes, Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, Sei a verdade e sou feliz.

Por Fernando Pessoa

Somos do tamanho de nossos sonhos

Por Fernando Pessoa

Todos temos por onde sermos desprezíveis. Cada um de nós traz consigo um crime feito ou o crime que a alma lhe pede para fazer.

Por Fernando Pessoa

Noite Ó noite onde as estrelas mentem luz, ó noite, única coisa do tamanho do universo, torna-me, corpo e alma, parte do teu corpo, que eu me perca em ser mera treva e me torne noite também, sem sonhos que sejam estrelas em mim, nem sol esperado que ilumine do futuro.

Por Fernando Pessoa

Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe porque ama, nem sabe o que é amar...

Por Fernando Pessoa

Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo.

Por Fernando Pessoa

Ver e ouvir são as únicas coisas nobres que a vida contém. Os outros sentidos são plebeus e carnais. A única aristocracia é nunca tocar.

Por Fernando Pessoa

Sim, sei bem Que nunca serei alguém. Sei de sobra Que nunca terei uma obra. Sei, enfim, Que nunca saberei de mim. Sim, mas agora, Enquanto dura esta hora, Este luar, estes ramos, Esta paz em que estamos, Deixem-me crer O que nunca poderei ser.

Por Fernando Pessoa

Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão.

Por Fernando Pessoa

Querer não é poder. Quem pôde, quis antes de poder só depois de poder. Quem quer nunca há-de poder, porque se perde em querer.

Por Fernando Pessoa

Chove. Que fiz eu da vida? Fiz o que ela fez de mim... De pensada, mal vivida... Triste de quem é assim!

Por Fernando Pessoa

O amor, quando se revela, Não se sabe revelar. Sabe bem olhar p'ra ela, Mas não lhe sabe falar. Quem quer dizer o que sente Não sabe o que há de dizer. Fala: parece que mente... Cala: parece esquecer... Ah, mas se ela adivinhasse, Se pudesse ouvir o olhar, E se um olhar lhe bastasse P'ra saber que a estão a amar! Mas quem sente muito, cala; Quem quer dizer quanto sente Fica sem alma nem fala, Fica só, inteiramente! Mas se isto puder contar-lhe O que não lhe ouso contar, Já não terei que falar-lhe Porque lhe estou a falar...

Por Fernando Pessoa

Tudo o que dorme é criança de novo. Talvez porque no sono não se possa fazer mal, e se não se dá conta da vida, o maior criminoso, o mais fechado egoísta, é sagrado, por uma magia natural, enquanto dorme. Entre matar quem dorme e matar uma criança não conheço diferença que se sinta.

Por Fernando Pessoa

Uma névoa de Outono o ar raro vela, (5-11-1932) Uma névoa de Outono o ar raro vela, Cores de meia-cor pairam no céu. O que indistintamente se revela, Árvores, casas, montes, nada é meu. Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono. Sim, sinto-o eu pelo coração, o como. Mas entre mim e ver há um grande sono. De sentir é só a janela a que eu assomo. Amanhã, se estiver um dia igual, Mas se for outro, porque é amanhã, Terei outra verdade, universal, E será como esta [...]

Por Fernando Pessoa

Se às vezes eu disser que as flores sorriem E se eu disser que os rios cantam Não é porque eu julgue que há sorriso nas flores E cantos no correr dos rios. É porque assim faço, mais sentir aos homens falsos A existência verdadeiramente real das flores e dos rios. Porque eu escrevo para eles me lerem, sacrifica-me às vezes, À sua estupidez de sentidos. Não concordo comigo mas absolvo-me, Por que eu sou só essa coisa séria uma intérprete da natureza, Porque os homens não percebem a sua linguagem, Por ela não ser linguagem nenhuma.

Por Fernando Pessoa

Para viajar basta existir.

Por Fernando Pessoa

A arte é a autoexpressão lutando para ser absoluta.

Por Fernando Pessoa

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo... Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer.

Por Fernando Pessoa

Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-íamos se a tivéssemos. O perfeito é o desumano porque o humano é imperfeito.

Por Fernando Pessoa

O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.

Por Fernando Pessoa

ENTRE SONO E SONHOS Entre mim e o que em mim É o quem eu me suponho Corre um rio sem fim. Passou por outras margens, Diversas mais além, Naquelas várias viagens Que todo o rio tem. Chegou onde hoje habito A casa que hoje sou. Passa, se eu me medito; Se desperto, passou. E quem me sinto e morre No que me liga a mim Dorme onde o rio corre — Esse rio sem fim.

Por Fernando Pessoa

A espantosa realidade das coisas é a minha descoberta de todos os dias. Cada coisa é o que é. E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra, e quanto isso me basta. Basta existir para se ser completo.

Por Fernando Pessoa

Deus é o existirmos e isto não ser tudo.

Por Fernando Pessoa

Saber ser supersticioso ainda é uma das artes que, realizadas a auge, marcam o homem superior.

Por Fernando Pessoa

A miséria do meu ser A miséria do meu ser, Do ser que tenho a viver, Tornou-se uma coisa vista. Sou nesta vida um qualquer Que roda fora da pista. Ninguém conhece quem sou Nem eu mesmo me conheço E, se me conheço, esqueço, Porque não vivo onde estou. Rodo, e o meu rodar apresso. É uma carreira invisível, Salvo onde caio e sou visto, Porque cair é sensível Pelo ruído imprevisto... Sou assim. Mas isto é crível?

Por Fernando Pessoa

Segue o teu destino... Rega as tuas plantas; Ama as tuas rosas. O resto é a sombra de árvores alheias

Por Fernando Pessoa

Tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Por Fernando Pessoa

Ser imoral não vale a pena, porque diminui, aos olhos dos outros, a vossa personalidade, ou a banaliza. Ser imoral dentro de si, cercada do máximo respeito alheio.

Por Fernando Pessoa

Ver muito lucidamente prejudica o sentir demasiado. E os gregos viam muito lucidamente. Por isso pouco sentiam. Daí a sua perfeita execução da obra de arte.

Por Fernando Pessoa

Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.

Por Fernando Pessoa

Não existem amores perfeitos, mas amantes acomodados.

Por Fernando Pessoa

Minha Pátria é minha língua. Pouco se me dá que Portugal seja invadido, desde que não mexam comigo.

Por Fernando Pessoa

Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.

Por Fernando Pessoa

Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.

Por Fernando Pessoa

Quanto mais diferente de mim alguém é, mais real me parece, porque menos depende da minha subjetividade.

Por Fernando Pessoa

Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?

Por Fernando Pessoa

O verdadeiro cadáver não é o corpo (...), mas aquilo que deixou de viver.

Por Fernando Pessoa

Se depois de eu morrer quiserem escrever a minha biografia, não há nada mais simples. Tenho só duas datas: a de minha nascença e a de minha morte. Entre uma e outra, todos os dias são meus.

Por Fernando Pessoa

O povo nunca é humanitário. O que há de mais fundamental na criatura do povo é a atenção estreita aos seus interesses, e a exclusão cuidadosa, praticada sempre que possível, dos interesses alheios.

Por Fernando Pessoa

Haja ou não deuses, deles somos servos.

Por Fernando Pessoa

A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial libertação.

Por Fernando Pessoa

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.

Por Fernando Pessoa

Minha pátria é a língua portuguesa.

Por Fernando Pessoa

Não ser é outro ser.

Por Fernando Pessoa

Não sabemos da alma senão da nossa; As dos outros são olhares, são gestos, são palavras, com a suposição de qualquer semelhança no fundo.

Por Fernando Pessoa

Tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Por Fernando Pessoa

Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.

Por Fernando Pessoa

Tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Por Fernando Pessoa

Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou: viver não é necessário, o que é necessário é criar.

Por Fernando Pessoa

Baste a quem baste o que lhe basta O bastante de lhe bastar! A vida é breve, a alma é vasta; Ter é tardar.

Por Fernando Pessoa

Falar é ter demasiada consideração pelos outros. Pela boca morrem o peixe e Oscar Wilde.

Por Fernando Pessoa

Eu sei que não sou nada e que talvez nunca tenha tudo. À parte isso, eu tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Por Fernando Pessoa

Para realizar um sonho é preciso esquecê-lo, distrair dele a atenção. Por isso realizar é não realizar.

Por Fernando Pessoa

O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.

Por Fernando Pessoa

Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.

Por Fernando Pessoa

Já não sei andar só pelos caminhos, Porque já não posso andar só.

Por Fernando Pessoa

Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.

Por Fernando Pessoa

Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?

Por Fernando Pessoa

Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?

Por Fernando Pessoa

Hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.

Por Fernando Pessoa