Frases e palavras de impacto de Manuel Bandeira!

Boda Espiritual Tu não estas comigo em momentos escassos: No pensamento meu, amor, tu vives nua - Toda nua, pudica e bela, nos meus braços. O teu ombro no meu, ávido, se insinua. Pende a tua cabeça. Eu amacio-a... Afago-a... Ah, como a minha mão treme... Como ela é tua... Põe no teu rosto o gozo uma expressão de mágoa. O teu corpo crispado alucina. De escorço O vejo estremecer como uma sombra n'água. Gemes quase a chorar. Suplicas com esforço. E para amortecer teu ardente desejo Estendo longamente a mão pelo teu dorso... Tua boca sem voz implora em um arquejo. Eu te estreito cada vez mais, e espio absorto A maravilha astral dessa nudez sem pejo... E te amo como se ama um passarinho morto.

Por Manuel Bandeira

Poemeto Erótico Teu corpo claro e perfeito, – Teu corpo de maravilha, Quero possuí-lo no leito Estreito da redondilha... Teu corpo é tudo o que cheira... Rosa... flor de laranjeira... Teu corpo, branco e macio, É como um véu de noivado... Teu corpo é pomo doirado... Rosal queimado do estio, Desfalecido em perfume... Teu corpo é a brasa do lume... Teu corpo é chama e flameja Como à tarde os horizontes... É puro como nas fontes A água clara que serpeja, Quem em antigas se derrama... Volúpia da água e da chama... A todo o momento o vejo... Teu corpo... a única ilha No oceano do meu desejo... Teu corpo é tudo o que brilha, Teu corpo é tudo o que cheira... Rosa, flor de laranjeira...

Por Manuel Bandeira

Café com pão Café com pão Café com pão Virge Maria que foi isto maquinista? Agora sim Café com pão Agora sim Voa, fumaça Corre, cerca Ai seu foguista Bota fogo Na fornalha Que eu preciso Muita força Muita força Muita força Oô... Foge, bicho Foge, povo Passa ponte Passa poste Passa pasto Passa boi Passa boiada Passa galho De ingazeira Debruçada No riacho Que vontade De cantar! Oô... Quando me prendero No canaviá Cada pé de cana Era um oficiá Oô... Menina bonita Do vestido verde Me dá tua boca Pra matá minha sede Oô... Vou mimbora vou mimbora Não gosto daqui Nasci no Sertão Sou de Ouricuri Oô... Vou depressa Vou correndo Vou na toda Que só levo Pouca gente Pouca gente Pouca gente...

Por Manuel Bandeira

Porquinho-da-Índia Quando eu tinha seis anos Ganhei um porquinho-da-índia. Que dor de coração eu tinha Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão! Levava ele pra sala Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos, Ele não se importava: Queria era estar debaixo do fogão. Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas... - O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.

Por Manuel Bandeira

Estrela da Manhã Eu quero a estrela da manhã Onde está a estrela da manhã? Meus amigos meus inimigos Procurem a estrela da manhã Ela desapareceu ia nua Desapareceu com quem? Procurem por toda a parte Digam que sou um homem sem orgulho Um homem que aceita tudo Que me importa? Eu quero a estrela da manhã Três dias e três noites Fui assassino e suicida Ladrão, pulha, falsário Virgem mal-sexuada Atribuladora dos aflitos Girafa de duas cabeças Pecai por todos pecai com todos Pecai com os malandros Pecai com os sargentos Pecai com os fuzileiros navais Pecai de todas as maneiras Com os gregos e com os troianos Com o padre e com o sacristão Com o leproso de Pouso Alto Depois comigo Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas comerei terra [e direi coisas de uma ternura tão simples Que tu desfalecerás Procurem por toda parte Pura ou degradada até a última baixeza Eu quero a estrela da manhã

Por Manuel Bandeira

Auto-retrato Provinciano que nunca soube Escolher bem uma gravata; Pernambucano a quem repugna A faca do pernambucano; Poeta ruim que na arte da prosa Envelheceu na infância da arte, E até mesmo escrevendo crônicas Ficou cronista de província; Arquiteto falhado, músico Falhado (engoliu um dia Um piano, mas o teclado Ficou de fora); sem família, Religião ou filosofia; Mal tendo a inquietação de espírito Que vem do sobrenatural, E em matéria de profissão Um tísico profissional.

Por Manuel Bandeira

A Estrela Vi uma estrela tão alta, Vi uma estrela tão fria! Vi uma estrela luzindo Na minha vida vazia. Era uma estrela tão alta! Era uma estrela tão fria! Era uma estrela sozinha Luzindo no fim do dia. Por que da sua distância Para a minha companhia Não baixava aquela estrela? Por que tão alto luzia? E ouvi-a na sombra funda Responder que assim fazia Para dar uma esperança Mais triste ao fim do meu dia.

Por Manuel Bandeira

O Bicho Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem.

Por Manuel Bandeira

Belo Belo Belo belo belo, Tenho tudo quanto quero. Tenho o fogo de constelações extintas há milênios. E o risco brevíssimo — que foi? passou — de tantas estrelas cadentes. A aurora apaga-se, E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora. O dia vem, e dia adentro Continuo a possuir o segredo grande da noite. Belo belo belo, Tenho tudo quanto quero. Não quero o êxtase nem os tormentos. Não quero o que a terra só dá com trabalho. As dádivas dos anjos são inaproveitáveis: Os anjos não compreendem os homens. Não quero amar, Não quero ser amado. Não quero combater, Não quero ser soldado. — Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.

Por Manuel Bandeira

O Último Poema Assim eu quereria o meu último poema. Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Por Manuel Bandeira

Poética Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto espediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor. Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. Abaixo os puristas. Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis Estou farto do lirismo namorador Político Raquítico Sifilítico De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo. De resto não é lirismo Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar & agraves mulheres, etc. Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbados O lirismo difícil e pungente dos bêbados O lirismo dos clowns de Shakespeare. - Não quero saber do lirismo que não é libertação.

Por Manuel Bandeira

ARTE DE AMAR Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma. A alma é que estraga o amor. Só em Deus ela pode encontrar satisfação. Não noutra alma. Só em Deus - ou fora do mundo. As almas são incomunicáveis. Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Por Manuel Bandeira

Desencanto Eu faço versos como quem chora De desalento. . . de desencanto. . . Fecha o meu livro, se por agora Não tens motivo nenhum de pranto. Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . . Tristeza esparsa... remorso vão... Dói-me nas veias. Amargo e quente, Cai, gota a gota, do coração. E nestes versos de angústia rouca, Assim dos lábios a vida corre, Deixando um acre sabor na boca. – Eu faço versos como quem morre.

Por Manuel Bandeira

Soneto Inglês No. 1 Quando a morte cerrar meus olhos duros - Duros de tantos vãos padecimentos, Que pensarão teus peitos imaturos Da minha dor de todos os momentos? Vejo-te agora alheia, e tão distante: Mais que distante - isenta. E bem prevejo, Desde já bem prevejo o exato instante Em que de outro será não teu desejo, Que o não terás, porém teu abandono, Tua nudez! Um dia hei de ir embora Adormecer no derradeiro sono. Um dia chorarás... Que importa? Chora. Então eu sentirei muito mais perto De mim feliz, teu coração incerto.

Por Manuel Bandeira

Neologismo Beijo pouco, falo menos ainda. Mas invento palavras Que traduzem a ternura mais funda E mais cotidiana. Inventei, por exemplo, o verbo teadorar. Intransitivo: Teadoro, Teodora.

Por Manuel Bandeira

Testamento O que não tenho e desejo É que melhor me enriquece. Tive uns dinheiros - perdi-os... Tive amores - esqueci-os. Mas no maior desespero Rezei: ganhei essa prece. Vi terras da minha terra. Por outras terras andei. Mas o que ficou marcado No meu olhar fatigado, Foram terras que inventei. Gosto muito de crianças: Não tive um filho de meu. Um filho!... Não foi de jeito... Mas trago dentro do peito Meu filho que não nasceu. Criou-me, desde eu menino Para arquiteto meu pai. Foi-se-me um dia a saúde... Fiz-me arquiteto? Não pude! Sou poeta menor, perdoai! Não faço versos de guerra. Não faço porque não sei. Mas num torpedo-suicida Darei de bom grado a vida Na luta em que não lutei!

Por Manuel Bandeira

E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar — Lá sou amigo do rei — Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada.

Por Manuel Bandeira

Vou-me Embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconseqüente Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d'água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcalóide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar — Lá sou amigo do rei — Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada.

Por Manuel Bandeira

Tempo Será A Eternidade está longe (Menos longe que o estirão Que existe entre o meu desejo E a palma da minha mão). Um dia serei feliz? Sim, mas não há de ser já: A Eternidade está longe, Brinca de tempo-será.

Por Manuel Bandeira

Andorinha lá fora está dizendo: -Passei o dia à toa, à toa. Andorinha, andorinha, minha canção é mais triste: -Passei a vida à toa, à toa.

Por Manuel Bandeira

Crepúsculo de Outono O crepúsculo cai, manso como uma bênção. Dir-se-á que o rio chora a prisão de seu leito... As grandes mãos da sombra evangélicas pensam As feridas que a vida abriu em cada peito. O outono amarelece e despoja os lariços. Um corvo passa e grasna, e deixa esparso no ar O terror augural de encantos e feitiços. As flores morrem. Toda a relva entra a murchar. Os pinheiros porém viçam, e serão breve Todo o verde que a vista espairecendo vejas, Mais negros sobre a alvura unânime da neve, Altos e espirituais como flechas de igrejas. Um sino plange. A sua voz ritma o murmúrio Do rio, e isso parece a voz da solidão. E essa voz enche o vale... o horizonte purpúreo... Consoladora como um divino perdão. O sol fundiu a neve. A folhagem vermelha Reponta. Apenas há, nos barrancos retortos, Flocos, que a luz do poente extática semelha A um rebanho infeliz de cordeirinhos mortos. A sombra casa os sons numa grave harmonia. E tamanha esperança e uma tão grande paz Avultam do clarão que cinge a serrania, Como se houvesse aurora e o mar cantando atrás.

Por Manuel Bandeira

Brisa Vamos viver no Nordeste, Anarina. Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha. Deixaras aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante. Aqui faz muito calor. No Nordeste faz calor também. Mas lá tem brisa: Vamos viver de brisa, Anarina.

Por Manuel Bandeira

O Impossível Carinho Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo Quero apenas contar-te a minha ternura Ah se em troca de tanta felicidade que me dás Eu te pudesse repor -Eu soubesse repor_ No coração despedaçado As mais puras alegrias de tua infância!

Por Manuel Bandeira

Meu Quintana Meu Quintana, os teus cantares Não são, Quintana, cantares: São, Quintana, quintanares. Quinta-essência de cantares... Insólitos, singulares... Cantares? Não! Quintanares! Quer livres, quer regulares, Abrem sempre os teus cantares Como flor de quintanares. São cantigas sem esgares. Onde as lágrimas são mares De amor, os teus quintanares. São feitos esses cantares De um tudo-nada: ao falares, Luzem estrelas luares. São para dizer em bares Como em mansões seculares Quintana, os teus quintanares. Sim, em bares, onde os pares Se beijam sem que repares Que são casais exemplares. E quer no pudor dos lares. Quer no horror dos lupanares. Cheiram sempre os teus cantares Ao ar dos melhores ares, Pois são simples, invulgares. Quintana, os teus quintanares. Por isso peço não pares, Quintana, nos teus cantares... Perdão! digo quintanares.

Por Manuel Bandeira

Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.

Por Manuel Bandeira

O Impossível Carinho Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo Quero apenas contar-te a minha ternura Ah se em troca de tanta felicidade que me dás Eu te pudesse repor -Eu soubesse repor_ No coração despedaçado As mais puras alegrias de tua infância!

Por Manuel Bandeira