Frases e palavras de impacto de Geraldo Carneiro!

Olhos de ressaca minha deusa negra quando anoitece desce as escadas do apartamento e procura a estátua no centro da praça onde faz o ponto provisoriamente eu fico na cama pensando na vida e quando me canso abro a janela enxergando o porto e suas luzes foscas o meu coração se queixa amargamente penso na morena do andar de baixo e no meu destino cego, sufocado nesse edifício sórdido & sombrio sempre mal e mal vivendo de favores e a minha deusa corre os esgotos essa rede obscura sob as cidades desde que a noite é noite e o mundo é mundo senhora das águas dos encanamentos eu escuto o samba mais dolente & negro e a luz difusa que vem do inferninho no primeiro andar do prédio condenado brilha nos meus tristes olhos de ressaca e a minha deusa, a pantera do catre consagrada à fome e à fertilidade bebe o suor de um marinheiro turco e às vezes os olhos onde a lua eu recordo os laços na beira da cama percorrendo o álbum de fotografias e não me contendo enquanto me visto chego à janela e grito pra estátua se não fosse o espelho que me denuncia e a obrigação de guerras e batalhas eu me arvoraria a herói como você, meu caro pra fazer barulho e preservar os cabarés.

Por Geraldo Carneiro

conspirações alguma coisa se desprende do meu corpo e voa não cabe na moldura do meu céu. sou náufrago no firmamento. o vento da poesia me conduz além de mimo sol me acende estrelas me suportam Odisseu nos subúrbios da galáxia. amor é o que me sabe e o que me sobra outro castelo que naufraga como tantos que a força do meu sonho quis transformar em catedrais. ilusões? ainda me restam duas dúzias. conspirações de amor, talvez não mais.

Por Geraldo Carneiro

a prosa do observatório o poeta esquadrinha a natureza em busca de indícios: eclipses o grafismo das garças no lago estrelas cadentes e outros sinais da língua de deus. e deus, crupiê do acaso, foi passar o verão noutra galáxia deixou no céu uma guirlanda de enigmas e mais meia dúzia de coincidências pra orientar o frenesi dos tolos e as especulações da astronomia

Por Geraldo Carneiro

filosofia da composição sempre sonhei compor um poema narcísico com tetas como tempestades e as furibundas fêmeas com quem copulou o bardo Gérard Éluard Du Kar´Nehru na mui sensualmente San Sebastian ciudad de los enganos mas a musa dos meus verdes anos perdeu-me em sua primavera de pentelhos e, ainda melhor, furtou-me o espelho

Por Geraldo Carneiro

romântica o poeta se enfastia da lua e a compara à amada depois se enfastia da amada e vice-versa

Por Geraldo Carneiro

Se os deuses conspirarem a favor, terei um novo surto de poesia e me tornarei um metafísico.

Por Geraldo Carneiro

à flor da língua uma palavra não é uma flor uma flor é seu perfume e seu emblema o signo convertido em coisa-imã imanência em flor: inflorescência uma flor é uma flor é uma flor (de onde talvez decorra o prestigio poético das flores com seus latins latifoliados na boca do botânico amador) a palavra não: é só floriléfio ficção pura, crime contra a natura por exemplo, a palavra amor

Por Geraldo Carneiro

eternidade para os estóicos o tempo não era a mera caravana dos sucessos, essa aventura quase sempre sem sentido no rumo da anti-Canaã, a terra onde não há qualquer Moisés extravagando no Deserto dos Sinais existe assim um outro tempo, imóvel, no qual paira a palavra impronunciada, o mito, sendo tudo e nada, e idéias como flores ainda à espera de outra Era ou só da primavera e da decifração posterior em suma, se os estóicos não criaram um sistema solar irresistível capaz de orientar a órbita dos astros e as caravelas do conquistador, em troca talvez tenham inventado a melhor metáfora do amor

Por Geraldo Carneiro

pequenas ocupações da poesia a procura da palavra mágica a contra-senha do apocalipse o codinome do diabo os esconjuros as juras aquém-além palavra amor e outros monstros inomináveis Iracema é anagrama de América termo é anagrama de morte dog, em inglês, é o contrário de deus

Por Geraldo Carneiro

neoplatônica a boca é o lugar onde se engendra o silêncio e se proferem sentenças de morte e colhem blasfêmias e serpenteiam sortilégios e se enfunam as flores da fala até forjar a ficção de outra boca de onde se extrai a idéia do beijo

Por Geraldo Carneiro

eros & civilização se você diz eu te amo meu coração se mira no espelho e faz piruetas de circo se você diz eu te quero meu coração distraído lixa as unhas e diz: não se comova, baby se você diz eu te quero meu coração faz versos como quem sonha demais e não se abala nunca se você diz eu não te amo meu coração tristonho acende as luzes porque as noite é negra como a asa da graúna

Por Geraldo Carneiro

canção do exílio o poeta sem sua plumagem é um deus exilado do cosmo strip-teaser metafísico só lhe resta sambar no inferninho do caos sob os neons do nada sempre nu diante do espelho sem espelho diante de si

Por Geraldo Carneiro

corações futuristas pular a bandeira pular a bandeira bordada pular a bandeira bordada de seda e estrelas rodar no balanço rodar no balanço do mundo rodar no balanço do mundo de sombras e cachaça dançar a ciranda dançar a ciranda do sono dançar a ciranda do sono perdido na noite guardar o segredo guardar o segredo da lua guardar o segredo da lua afogada no poço

Por Geraldo Carneiro

O livro é igual ao samba: pode até agonizar, mas não morre.

Por Geraldo Carneiro

o tal total o amor é o tal total que move o mundo a tal totalidade tautológica, o como somos: nossos cromossomos nos quais nunca se pertenceu ao nada: só pertencemos ao tudo total que nos absorve e sorve as nossas águas e as nossas mágoas ficam revoando como se revoltadas ao princípio, àquele principício originário onde era Orfeu, onde era Prometeu, e continua sendo sempre lá o cais, o never more, o nunca mais, o tal do és pó e ao pó retornarás.

Por Geraldo Carneiro

quase soneto cheio de si ó minha amada, canto em teu louvor como se fora nato noutras terras mais adestradas nos bailes do amor, em Franças, Alemanhas, Inglaterras; canto-te assim com tal engenho e arte que até Camões invejaria o fogo com que me ardo, outrora degredado entre mil musas lusas e andaluzas, e agora regressado aos seus brasis, ó minha ave, minha aventura e sobretudo minha pátria amada pra sempre idolatrada, salve, salve: o resto é mar, silêncio ou literatura

Por Geraldo Carneiro

nevermore fizemos piqueniques em Pasárgada tramamos romances rocambolescos nas praias mais improváveis. cifras grifos dragões dalém mar cuspiam fogo em nossa eros-dicção você era mais luz: eu era mais treva fomos quase felizes para sempre antes que você escolhesse o dia a hora o grand-finale do espetáculo (ou não escolhesse: a morte é sempre um pas-de-deux com o deus do acaso)

Por Geraldo Carneiro

o espelho do outro lado um estranho faz simulações como se fosse um demônio familiar é sempre noite, um assassino sonha com mulheres assassinadas em série sob as palmeiras de Malibu o mundo é só uma ficção plausível a imagem que baila ao rés-da-lâmina é um último e improvável vestígio da existência de Deus o resto são ecos de outras faces gestos de espanto e despedida a música dos relógios, a morte

Por Geraldo Carneiro

os fogos da fala a fala aflora à flor da boca às vezes como fogos de artifício fulguração contra os terrores do silêncio só espada espavento espelho ou pedra ficção arremessada ou canção pra cantar as graças as virilhas as maravilhas da amada a deusa idolatrada de amor: essa outra voz quase jazz que subjaz ventríloqua de si mesma

Por Geraldo Carneiro

Mais Clara, Mais Crua De noite, na rua, em frente ao parque A minha solidão é sua Decerto sei que você vaga em qualquer parte Sob essa vaga lua De noite, na rua, em frente ao parque A minha solidão é sua Decerto sei que você vaga em qualquer parte Sob essa vaga lua A noite esconde as cicatrizes Esconde as carícias e os maltratos A noite esconde as cicatrizes Esconde as carícias e os maltratos De noite alguém decerto lhe ampara Por onde hoje você anda Mas sem olhar sua ciranda louca Daquele jeito que lhe desmascara De noite alguém decerto lhe ampara Por onde hoje você anda Mas sem olhar sua ciranda louca Daquele jeito que lhe desmascara A noite esconde as cicatrizes Esconde as carícias e os maltratos A noite esconde as cicatrizes Esconde as carícias e os maltratos Agora, bêbada, você estremece Como se ainda não soubesse Em frente à porta desse bar Em que embarca sob essa vaga lua E a luz da lua apura a nitidez da marca Mais nua, mais clara, mais crua

Por Geraldo Carneiro

bilacmania livre espaço a ave aurora as asas cantando climas céus nuvens agora o sol o vôo a vida o olhar (re)volta tempo alegria de novo

Por Geraldo Carneiro

Com seu obstinado esforço de embranquecimento, Machado de Assis foi uma espécie de precursor de Michael Jackson.

Por Geraldo Carneiro