Frases e palavras de impacto de Manuel Alegre!

As Facas Quatro letras nos matam quatro facas que no corpo me gravam o teu nome. Quatro facas amor com que me matas sem que eu mate esta sede e esta fome. Este amor é de guerra. (De arma branca). Amando ataco amando contra-atacas este amor é de sangue que não estanca. Quatro letras nos matam quatro facas. Armado estou de amor. E desarmado. Morro assaltando morro se me assaltas. E em cada assalto sou assassinado. Quatro letras amor com que me matas. E as facas ferem mais quando me faltas. Quatro letras nos matam quatro facas.

Por Manuel Alegre

Com mãos se faz a paz se faz a guerra Com mãos tudo se faz e se desfaz. Com mãos se faz o poema – e são de terra. Com mãos se faz a guerra – e são a paz. Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra. Não são de pedras estas casas mas de mãos. E estão no fruto e na palavra as mãos que são o canto e são as armas. E cravam-se no Tempo como farpas as mãos que vês nas coisas transformadas. Folhas que vão no vento: verdes harpas. De mãos é cada flor cada cidade. Ninguém pode vencer estas espadas: nas tuas mãos começa a liberdade.

Por Manuel Alegre

omo Ulisses te busco e desespero Como Ulisses te busco e desespero como Ulisses confio e desconfio e como para o mar se vai um rio para ti vou. Só não me canta Homero. Mas como Ulisses passo mil perigos escuto a sereia e a custo me sustenho e embora tenha tudo nada tenho que em te não tendo tudo são castigos. Só não me canta Homero. Mas como U- lisses vou com meu canto como um barco ouvindo o teu chamar -- Pátria Sereia Penélope que não te rendes -- tu que esperas a tecer um tempo ideia que de novo o teu povo empunhe o arco como Ulisses por ti nesta Odisseia.

Por Manuel Alegre

Coisa amar Contar-te longamente as perigosas coisas do mar. Contar-te o amor ardente e as ilhas que só há no verbo amar. Contar-te longamente. Amor ardente. Amor ardente. E mar. Contar-te longamente as misteriosas maravilhas do verbo navegar. E mar. Amar: as coisas perigosas. Contar-te longamente que já foi num tempo doce coisa amar. E mar. Contar-te longamente como doí desembarcar nas ilhas misteriosas. Contar-te o mar ardente e o verbo amar. E longamente as coisas perigosas.

Por Manuel Alegre

Está gente a morrer agora mesmo em qualquer lado Está gente a morrer e nós também Está gente a despedir-se sem saber que para Sempre Este som já passou Este gesto também Ninguém se banha duas vezes no mesmo instante Tu próprio te despedes de ti próprio Não és o mesmo que escreveu o verso atrás Já estás diferente neste verso e vais com ele.

Por Manuel Alegre

Os nossos corpos têm a mesma batida, o mesmo ritmo, o mesmo tango por dentro.

Por Manuel Alegre

Uma flor de verde pinho Eu podia chamar-te pátria minha dar-te o mais lindo nome português podia dar-te um nome de rainha que este amor é de Pedro por Inês. Mas não há forma não há verso não há leito para este fogo amor para este rio. Como dizer um coração fora do peito? Meu amor transbordou. E eu sem navio. Gostar de ti é um poema que não digo que não há taça amor para este vinho não há guitarra nem cantar de amigo não há flor não há flor de verde pinho. Não há barco nem trigo não há trevo não há palavras para dizer esta canção. Gostar de ti é um poema que não escrevo. Que há um rio sem leito. E eu sem coração.

Por Manuel Alegre

Entre aquém e além ser e não ser tantas portas abertas ou talvez nenhuma. Não há senão um verso por escrever e sobre a areia branca a breve espuma.

Por Manuel Alegre

Que mil flores desabrochem. Que mil flores (outras nenhumas) onde amores fenecem que mil flores floresçam onde só dores florescem. Que mil flores desabrochem. Que mil espadas (outras nenhumas não) onde mil flores com espadas são cortadas que mil espadas floresçam em cada mão. Que mil espadas floresçam onde só penas são. Antes que amores feneçam que mil flores desabrochem. E outras nenhumas não.

Por Manuel Alegre

Última Página Vou deixar este livro. Adeus. Aqui morei nas ruas infinitas. Adeus meu bairro página branca onde morri onde nasci algumas vezes. Adeus palavras comboios adeus navio. De ti povo não me despeço. Vou contigo. Adeus meu bairro versos ventos. Não voltarei a Nambuangongo onde tu meu amor não viste nada. Adeus camaradas dos campos de batalha. Parto sem ti Pedro Soldado. Tu Rapariga do País de Abril tu vens comigo. Não te esqueças da primavera. Vamos soltar a primavera no País de Abril. Livro: meu suor meu sangue aqui te deixo no cimo da pátria Meto a viola debaixo do braço e viro a página. Adeus.

Por Manuel Alegre

Quero um poema que diga Que nada há que dizer Senão que a noite castiga Quem procura uma cantiga Que não é de adormecer

Por Manuel Alegre

Letra para um hino É possível falar sem um nó na garganta é possível amar sem que venham proibir é possível correr sem que seja fugir. Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta. É possível andar sem olhar para o chão é possível viver sem que seja de rastos. Os teus olhos nasceram para olhar os astros se te apetece dizer não grita comigo: não. É possível viver de outro modo. É possível transformares em arma a tua mão. É possível o amor. É possível o pão. É possível viver de pé. Não te deixes murchar. Não deixes que te domem. É possível viver sem fingir que se vive. É possível ser homem. É possível ser livre livre livre.

Por Manuel Alegre

Da tua vida o que não podem entender Nem oiro nem poder nem segurança Mas a paixão do Tempo e de seus riscos Tu buscaste o instante e a intensidade E foste do combate e da mudança Por isso um rastro de ruptura e de viagem Ou talvez este fogo inconquistado Como breve eternidade De passagem

Por Manuel Alegre

Quero o cruzeiro do sul das tuas mãos quero o teu nome escrito nas marés nesta cidade onde no sítio mais absurdo num sentido proibido ou num semáforo todos os poentes me dizem quem tu és.

Por Manuel Alegre

Caçadores de coisas impossíveis. Eu canto os dedos que transformam e se transformam. Canto as marítimas mãos de Magalhães. As mãos voadoras de Gagárine. Procurai-me no mar procurai-me no espaço. Estou no centro da terra. Meu nome é cinza. E espalha-se no vento. Sou adubo fermentação floresta. E cintilo nas armas

Por Manuel Alegre

Seja sempre você mesma!

Por Manuel Alegre

Sobre um mote de Camões Se me desta terra for eu vos levarei amor. Nem amor deixo na terra que deixando levarei. Deixo a dor de te deixar na terra onde amor não vive na que levar levarei amor onde só dor tive. Nem amor pode ser livre se não há na terra amor. Deixo a dor de não levar a dor de onde amor não vive. E levo a terra que deixo onde deixo a dor que tive. Na que levar levarei este amor que é livre livre.

Por Manuel Alegre

Trova do vento que passa Pergunto ao vento que passa notícias do meu país e o vento cala a desgraça o vento nada me diz. Pergunto aos rios que levam tanto sonho à flor das águas e os rios não me sossegam levam sonhos deixam mágoas. Levam sonhos deixam mágoas ai rios do meu país minha pátria à flor das águas para onde vais? Ninguém diz. Se o verde trevo desfolhas pede notícias e diz ao trevo de quatro folhas que morro por meu país. Pergunto à gente que passa por que vai de olhos no chão. Silêncio -- é tudo o que tem quem vive na servidão. Vi florir os verdes ramos direitos e ao céu voltados. E a quem gosta de ter amos vi sempre os ombros curvados. E o vento não me diz nada ninguém diz nada de novo. Vi minha pátria pregada nos braços em cruz do povo. Vi minha pátria na margem dos rios que vão pró mar como quem ama a viagem mas tem sempre de ficar. Vi navios a partir (minha pátria à flor das águas) vi minha pátria florir (verdes folhas verdes mágoas). Há quem te queira ignorada e fale pátria em teu nome. Eu vi-te crucificada nos braços negros da fome. E o vento não me diz nada só o silêncio persiste. Vi minha pátria parada à beira de um rio triste. Ninguém diz nada de novo se notícias vou pedindo nas mãos vazias do povo vi minha pátria florindo. E a noite cresce por dentro dos homens do meu país. Peço notícias ao vento e o vento nada me diz. Quatro folhas tem o trevo liberdade quatro sílabas. Não sabem ler é verdade aqueles pra quem eu escrevo. Mas há sempre uma candeia dentro da própria desgraça há sempre alguém que semeia canções no vento que passa. Mesmo na noite mais triste em tempo de servidão há sempre alguém que resiste há sempre alguém que diz não.

Por Manuel Alegre

Eu sabia que tinha de haver um sítio Onde o humano e o divino se tocassem Não propriamente a terra do sagrado Mas uma terra para o homem e para os deuses Feitos à sua imagem e semelhança Um lugar de harmonia Com sua tragédia é certo Mas onde a luz incita à busca da verdade E onde o homem não tem outros limites Senão os da sua própria liberdade

Por Manuel Alegre

Eis o homem sentado à mesa Diante da folha branca. Um longo, longo caminho, Da vida para a palavra. Decantação, purificação Para chegar ao pássaro. O homem que está à mesa Atravessou muitos desertos Virou do avesso a certeza Naufragou nos mares do sul. Entre ditongo e ditongo Para chegar ao pássaro Tu próprio terás de ser Cada vez mais substantivo. Irás de sílaba em sílaba Ferido por sete espadas Diante da folha branca Serás fome e serás sede Como o homem que está à mesa, O homem tão despojado Que a si mesmo se transforma No pássaro que busca a forma. Este é tempo do homem perdido na multidão Como ser desintegrado Na folha branca da cidade. Tempo do homem sentado À mesa da solidão. Há palavras como asas, outras mais como raízes O pássaro voa por dentro Do homem sentado à mesa. Vai de fonema em fonema Sobre as cordas dos sentidos. Se vires o homem que passa Como se fosse no ar Já sabes: é o homem que está Diante da folha branca. Às vezes levanta vôo Para outro espaço, outro azul E deixa dentro das sílabas Um rastro como de sul. Quando recordas, Quando a tristeza toca demais as cordas do coração Quando um ritmo começa Dentro das palavras, Um sapateado inconfundível (Malagueña, malagueña!) E a folha branca é uma Espanha Para cantar, para dançar Para morrer entre sol e sombra Às cinco em sangue... Então verás chegar O homem sentado à mesa Às cinco en sombra de la tarde Malagueña, Malagueña! Diante da folha branca Como por terras de Espanha. Nos descampados deste tempo Nos aeroportos auto-estradas Nos anúncios sob as pontes Talvez no marco geodésico No fumo do lixo ardendo No cheiro do alcatrão Nos dejectos de lata e plástico Nos jornais amarrotados Nas barracas sobre a encosta Na estrutura de betão Sobre o gasóleo e a tristeza Sobre a grande poluição Onde nem folha ou erva cresce Seco, duro, estéril tempo Diante da folha branca Da solidão suburbana Onde a multidão se perde Entre tristeza e tristeza Às vezes um coração: Talvez um pássaro verde Ou talvez só a canção Do homem sentado à mesa O homem que está à mesa Tem qualquer coisa que escapa Qualquer coisa que o faz ser Ausente quando presente Às vezes como de mar Às vezes como de sul Um certo modo de olhar Como atravessando as coisas Um certo jeito de quem Está sempre para partir. O homem sentado à mesa Não está sentado: caminha Navega por sobre os mares Ou por dentro de si mesmo. Vem de longe para longe Do passado para agora De agora para amanhã Está no avesso da hora! Solta o pássaro, não pára, Tem outro espaço, outro azul Às vezes como de mar Às vezes como de azul E não se tem a certeza se está do lado de cá Ou se está do outro lado, deste lado onde não está. Mesmo se sentado à mesa Não é possível detê-lo O homem que tem um pássaro É sempre um homem que passa. Tem qualquer coisa que nem se sabe O quê nem de quem É talvez um mais além Algo que sobe e que voa Entre o Aqui e o Ali Algo que não se perdoa Ao homem quando ele tem Um pássaro dentro de si... Há um tocador a tocar As harpas de cada sílaba Diante da folha branca Tudo é guitarra e surpresa. Escutai o pássaro e o canto Do homem sentado à mesa!

Por Manuel Alegre

Canção tão simples Quem poderá domar os cavalos do vento quem poderá domar este tropel do pensamento à flor da pele? Quem poderá calar a voz do sino triste que diz por dentro do que não se diz a fúria em riste do meu país? Quem poderá proibir estas letras de chuva que gota a gota escrevem nas vidraças pátria viúva a dor que passa? Quem poderá prender os dedos farpas que dentro da canção fazem das brisas as armas harpas que são precisas?

Por Manuel Alegre

E quanto mais te perco mais te encontro morrendo e renascendo e sempre pronto para em ti me encontrar e me perder.

Por Manuel Alegre

Na tua pele toda a terra treme alguém fala com Deus alguém flutua há um corpo a navegar e um anjo ao leme. Das tuas coxas pode ver-se a Lua contigo o mar ondula e o vento geme e há um espírito a nascer de seres tão nua...

Por Manuel Alegre

Em cada verso há um naufrágio não sei de poema que não seja mar.

Por Manuel Alegre

Amor é mais do que dizer. Por amor no teu corpo fui além e vi florir a rosa em todo o ser fui anjo e bicho e todos e ninguém.

Por Manuel Alegre