Frases e palavras de impacto de Castro Alves!

Na hora em que a terra dorme enrolada em frios véus, eu ouço uma reza enorme enchendo o abismo dos céus

Por Castro Alves

Amar e Ser Amado Amar e ser amado! Com que anelo Com quanto ardor este adorado sonho Acalentei em meu delírio ardente Por essas doces noites de desvelo! Ser amado por ti, o teu alento A bafejar-me a abrasadora frente! Em teus olhos mirar meu pensamento, Sentir em mim tu’alma, ter só vida P’ra tão puro e celeste sentimento Ver nossas vidas quais dois mansos rios, Juntos, juntos perderem-se no oceano, Beijar teus labios em delírio insano Nossas almas unidas, nosso alento, Confundido também, amante, amado Como um anjo feliz... que pensamento!?

Por Castro Alves

Boa Noite Boa noite, Maria! Eu vou,me embora. A lua nas janelas bate em cheio. Boa noite, Maria! É tarde... é tarde. . Não me apertes assim contra teu seio. Boa noite! ... E tu dizes - Boa noite. Mas não digas assim por entre beijos... Mas não mo digas descobrindo o peito, — Mar de amor onde vagam meus desejos! Julieta do céu! Ouve... a calhandra já rumoreja o canto da matina. Tu dizes que eu menti? ... pois foi mentira... Quem cantou foi teu hálito, divina! Se a estrela-d'alva os derradeiros raios Derrama nos jardins do Capuleto, Eu direi, me esquecendo d'alvorada: "É noite ainda em teu cabelo preto..." É noite ainda! Brilha na cambraia — Desmanchado o roupão, a espádua nua O globo de teu peito entre os arminhos Como entre as névoas se balouça a lua. . . É noite, pois! Durmamos, Julieta! Recende a alcova ao trescalar das flores. Fechemos sobre nós estas cortinas... — São as asas do arcanjo dos amores. A frouxa luz da alabastrina lâmpada Lambe voluptuosa os teus contornos... Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos Ao doudo afago de meus lábios mornos. Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos Treme tua alma, como a lira ao vento, Das teclas de teu seio que harmonias, Que escalas de suspiros, bebo atento! Ai! Canta a cavatina do delírio, Ri, suspira, soluça, anseia e chora. . . Marion! Marion!... É noite ainda. Que importa os raios de uma nova aurora?!... Como um negro e sombrio firmamento, Sobre mim desenrola teu cabelo... E deixa-me dormir balbuciando: — Boa noite! — formosa Consuelo.

Por Castro Alves

Navio Negreiro I 'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço Brinca o luar — dourada borboleta; E as vagas após ele correm... cansam Como turba de infantes inquieta. 'Stamos em pleno mar... Do firmamento Os astros saltam como espumas de ouro... O mar em troca acende as ardentias, — Constelações do líquido tesouro... 'Stamos em pleno mar... Dois infinitos Ali se estreitam num abraço insano, Azuis, dourados, plácidos, sublimes... Qual dos dous é o céu? qual o oceano?... 'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas Ao quente arfar das virações marinhas, Veleiro brigue corre à flor dos mares, Como roçam na vaga as andorinhas... Donde vem? onde vai? Das naus errantes Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço? Neste saara os corcéis o pó levantam, Galopam, voam, mas não deixam traço. Bem feliz quem ali pode nest'hora Sentir deste painel a majestade! Embaixo — o mar em cima — o firmamento... E no mar e no céu — a imensidade! Oh! que doce harmonia traz-me a brisa! Que música suave ao longe soa! Meu Deus! como é sublime um canto ardente Pelas vagas sem fim boiando à toa! Homens do mar! ó rudes marinheiros, Tostados pelo sol dos quatro mundos! Crianças que a procela acalentara No berço destes pélagos profundos! Esperai! esperai! deixai que eu beba Esta selvagem, livre poesia Orquestra — é o mar, que ruge pela proa, E o vento, que nas cordas assobia... .......................................................... Por que foges assim, barco ligeiro? Por que foges do pávido poeta? Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira Que semelha no mar — doudo cometa! Albatroz! Albatroz! águia do oceano, Tu que dormes das nuvens entre as gazas, Sacode as penas, Leviathan do espaço, Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas. II Que importa do nauta o berço, Donde é filho, qual seu lar? Ama a cadência do verso Que lhe ensina o velho mar! Cantai! que a morte é divina! Resvala o brigue à bolina Como golfinho veloz. Presa ao mastro da mezena Saudosa bandeira acena As vagas que deixa após. Do Espanhol as cantilenas Requebradas de langor, Lembram as moças morenas, As andaluzas em flor! Da Itália o filho indolente Canta Veneza dormente, — Terra de amor e traição, Ou do golfo no regaço Relembra os versos de Tasso, Junto às lavas do vulcão! O Inglês — marinheiro frio, Que ao nascer no mar se achou, (Porque a Inglaterra é um navio, Que Deus na Mancha ancorou), Rijo entoa pátrias glórias, Lembrando, orgulhoso, histórias De Nelson e de Aboukir.. . O Francês — predestinado — Canta os louros do passado E os loureiros do porvir! Os marinheiros Helenos, Que a vaga jônia criou, Belos piratas morenos Do mar que Ulisses cortou, Homens que Fídias talhara, Vão cantando em noite clara Versos que Homero gemeu ... Nautas de todas as plagas, Vós sabeis achar nas vagas As melodias do céu! ... III Desce do espaço imenso, ó águia do oceano! Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano Como o teu mergulhar no brigue voador! Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras! É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ... Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror! IV Era um sonho dantesco... o tombadilho Que das luzernas avermelha o brilho. Em sangue a se banhar. Tinir de ferros... estalar de açoite... Legiões de homens negros como a noite, Horrendos a dançar... Negras mulheres, suspendendo às tetas Magras crianças, cujas bocas pretas Rega o sangue das mães: Outras moças, mas nuas e espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas, Em ânsia e mágoa vãs! E ri-se a orquestra irônica, estridente... E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais ... Se o velho arqueja, se no chão resvala, Ouvem-se gritos... o chicote estala. E voam mais e mais... Presa nos elos de uma só cadeia, A multidão faminta cambaleia, E chora e dança ali! Um de raiva delira, outro enlouquece, Outro, que martírios embrutece, Cantando, geme e ri! No entanto o capitão manda a manobra, E após fitando o céu que se desdobra, Tão puro sobre o mar, Diz do fumo entre os densos nevoeiros: "Vibrai rijo o chicote, marinheiros! Fazei-os mais dançar!..." E ri-se a orquestra irônica, estridente. . . E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais... Qual um sonho dantesco as sombras voam!... Gritos, ais, maldições, preces ressoam! E ri-se Satanás!... V Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade Tanto horror perante os céus?! Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas De teu manto este borrão?... Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! Quem são estes desgraçados Que não encontram em vós Mais que o rir calmo da turba Que excita a fúria do algoz? Quem são? Se a estrela se cala, Se a vaga à pressa resvala Como um cúmplice fugaz, Perante a noite confusa... Dize-o tu, severa Musa, Musa libérrima, audaz!... São os filhos do deserto, Onde a terra esposa a luz. Onde vive em campo aberto A tribo dos homens nus... São os guerreiros ousados Que com os tigres mosqueados Combatem na solidão. Ontem simples, fortes, bravos. Hoje míseros escravos, Sem luz, sem ar, sem razão. . . São mulheres desgraçadas, Como Agar o foi também. Que sedentas, alquebradas, De longe... bem longe vêm... Trazendo com tíbios passos, Filhos e algemas nos braços, N'alma — lágrimas e fel... Como Agar sofrendo tanto, Que nem o leite de pranto Têm que dar para Ismael. Lá nas areias infindas, Das palmeiras no país, Nasceram crianças lindas, Viveram moças gentis... Passa um dia a caravana, Quando a virgem na cabana Cisma da noite nos véus ... ... Adeus, ó choça do monte, ... Adeus, palmeiras da fonte!... ... Adeus, amores... adeus!... Depois, o areal extenso... Depois, o oceano de pó. Depois no horizonte imenso Desertos... desertos só... E a fome, o cansaço, a sede... Ai! quanto infeliz que cede, E cai p'ra não mais s'erguer!... Vaga um lugar na cadeia, Mas o chacal sobre a areia Acha um corpo que roer. Ontem a Serra Leoa, A guerra, a caça ao leão, O sono dormido à toa Sob as tendas d'amplidão! Hoje... o porão negro, fundo, Infecto, apertado, imundo, Tendo a peste por jaguar... E o sono sempre cortado Pelo arranco de um finado, E o baque de um corpo ao mar... Ontem plena liberdade, A vontade por poder... Hoje... cúm'lo de maldade, Nem são livres p'ra morrer. . Prende-os a mesma corrente — Férrea, lúgubre serpente — Nas roscas da escravidão. E assim zombando da morte, Dança a lúgubre coorte Ao som do açoute... Irrisão!... Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus, Se eu deliro... ou se é verdade Tanto horror perante os céus?!... Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas Do teu manto este borrão? Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! ... VI Existe um povo que a bandeira empresta P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... E deixa-a transformar-se nessa festa Em manto impuro de bacante fria!... Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, Que impudente na gávea tripudia? Silêncio. Musa... chora, e chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto! ... Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança, Estandarte que a luz do sol encerra E as promessas divinas da esperança... Tu que, da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança Antes te houvessem roto na batalha, Que servires a um povo de mortalha!... Fatalidade atroz que a mente esmaga! Extingue nesta hora o brigue imundo O trilho que Colombo abriu nas vagas, Como um íris no pélago profundo! Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga Levantai-vos, heróis do Novo Mundo! Andrada! arranca esse pendão dos ares! Colombo! fecha a porta dos teus mares!

Por Castro Alves

A Um Coração "Coração de Filigrana de Oiro" Ai! Pobre coração! Assim vazio E frio Sem guardar a lembrança de um amor! Nada em teu seio os dias hão deixado!… É fado? Nem relíquias de um sonho encantador? Não, frio coração! É que na terra Ninguém te abriu…Nada teu seio encerra! O vácuo apenas queres tu conter! Não te faltam suspiros delirantes, Nem lágrimas de afeto verdadeiro… - É que nem mesmo o oceano inteiro Poderia te encher!

Por Castro Alves

Que vale um ramo de alecrim cheiroso, que lhe atira nos braços ao passar, vai espantar o bando bulicoso das borboletas que lá vão pousar.

Por Castro Alves

Eu já não tenho mais vida! Tu já não tens mais amor! Tu só vives para o riso, eu só vivo para dor.

Por Castro Alves

As Três Irmãs do Poeta É Noite! as sombras correm nebulosas. Vão três pálidas virgens silenciosas Através da procela irrequieta. Vão três pálidas virgens... vão sombrias Rindo colar num beijo as bocas frias... Na fronte cismadora do Poeta: "Saúde, irmão! Eu sou a Indiferença. Sou eu quem te sepulta a idéia imensa, Quem no teu nome a escuridão projeta... Fui eu que te vesti do meu sudário... Que vais fazer tão triste e solitário?..." - "Eu lutarei!" - responde-lhe o Poeta. "Saúde, meu irmão! Eu sou a Fome. Sou eu quem o teu negro pão consome... O teu mísero pão, mísero atleta! Hoje, amanhã, depois... depois (qu'importa?) Virei sempre sentar-me à tua porta..." -"Eu sofrerei"-responde-lhe o Poeta. "Saúde, meu irmão! Eu sou a Morte. Suspende em meio o hino augusto e forte. Marquei-te a fronte, mísero profeta! Volve ao nada! Não sentes neste enleio Teu cântico gelar-se no meu seio?!" -"Eu cantarei no céu" - diz-lhe o Poeta!

Por Castro Alves

Tu és a estrela vésper que alumia aos pastores das arcádias dos fraguedos.

Por Castro Alves

A Duas Flores São duas flores unidas São duas rosas nascidas Talvez do mesmo arrebol, Vivendo,no mesmo galho, Da mesma gota de orvalho, Do mesmo raio de sol. Unidas, bem como as penas das duas asas pequenas De um passarinho do céu... Como um casal de rolinhas, Como a tribo de andorinhas Da tarde no frouxo véu. Unidas, bem como os prantos, Que em parelha descem tantos Das profundezas do olhar... Como o suspiro e o desgosto, Como as covinhas do rosto, Como as estrelas do mar. Unidas... Ai quem pudera Numa eterna primavera Viver, qual vive esta flor. Juntar as rosas da vida Na rama verde e florida, Na verde rama do amor!

Por Castro Alves

Tudo vem me lembrar que tu fugiste, Tudo que me rodeia de ti fala. Inda a almofada, em que pousaste a fronte O teu perfume predileto exala ...

Por Castro Alves

Coração O coração é o colibri dourado Das veigas puras do jardim do céu. Um – tem o mel da granadilha agreste, Bebe os perfumes, que a bonina deu. O outro – voa em mais virentes balças, Pousa de um riso na rubente flor. Vive do mel – a que se chama “crenças”, Vive do aroma – que se diz “amor”.

Por Castro Alves

Adormecida Uma noite eu me lembro... Ela dormia Numa rede encostada molemente... Quase aberto o roupão... solto o cabelo E o pé descalço do tapete rente. 'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste Exalavam as silvas da campina... E ao longe, num pedaço do horizonte Via-se a noite plácida e divina. De um jasmineiro os galhos encurvados, Indiscretos entravam pela sala, E de leve oscilando ao tom das auras Iam na face trêmulos — beijá-la. Era um quadro celeste!... A cada afago Mesmo em sonhos a moça estremecia... Quando ela serenava... a flor beijava-a... Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia... Dir-se-ia que naquele doce instante Brincavam duas cândidas crianças... A brisa, que agitava as folhas verdes, Fazia-lhe ondear as negras tranças! E o ramo ora chegava, ora afastava-se... Mas quando a via despeitada a meio, P'ra não zangá-la... sacudia alegre Uma chuva de pétalas no seio... Eu, fitando esta cena, repetia Naquela noite lânguida e sentida: "Ó flor! — tu és a virgem das campinas! "Virgem! tu és a flor da minha vida!..."

Por Castro Alves

Morena Flor Ela tem uma graça de pantera No andar bem-comportado de menina. No molejo em que vem sempre se espera Que de repente ela lhe salte em cima A mim me enerva o ardor com que ela vibra E que a motiva desde de manhã. - Como é que pode, digo-me com espanto...

Por Castro Alves

Vozes D'África Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes Embuçado nos céus? Há dois mil anos te mandei meu grito, Que embalde desde então corre o infinito... Onde estás, Senhor Deus?... Qual Prometeu tu me amarraste um dia Do deserto na rubra penedia — Infinito: galé!... Por abutre — me deste o sol candente, E a terra de Suez — foi a corrente Que me ligaste ao pé... O cavalo estafado do Beduíno Sob a vergasta tomba ressupino E morre no areal. Minha garupa sangra, a dor poreja, Quando o chicote do simoun dardeja O teu braço eternal. Minhas irmãs são belas, são ditosas... Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas Dos haréns do Sultão. Ou no dorso dos brancos elefantes Embala-se coberta de brilhantes Nas plagas do Hindustão. Por tenda tem os cimos do Himalaia... Ganges amoroso beija a praia Coberta de corais ... A brisa de Misora o céu inflama; E ela dorme nos templos do Deus Brama, — Pagodes colossais... A Europa é sempre Europa, a gloriosa!... A mulher deslumbrante e caprichosa, Rainha e cortesã. Artista — corta o mármor de Carrara; Poetisa — tange os hinos de Ferrara, No glorioso afã!... Sempre a láurea lhe cabe no litígio... Ora uma c'roa, ora o barrete frígio Enflora-lhe a cerviz. Universo após ela — doudo amante Segue cativo o passo delirante Da grande meretriz. .................................... Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada Em meio das areias esgarrada, Perdida marcho em vão! Se choro... bebe o pranto a areia ardente; talvez... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente! Não descubras no chão... E nem tenho uma sombra de floresta... Para cobrir-me nem um templo resta No solo abrasador... Quando subo às Pirâmides do Egito Embalde aos quatro céus chorando grito: "Abriga-me, Senhor!..." Como o profeta em cinza a fronte envolve, Velo a cabeça no areal que volve O siroco feroz... Quando eu passo no Saara amortalhada... Ai! dizem: "Lá vai África embuçada No seu branco albornoz... " Nem vêem que o deserto é meu sudário, Que o silêncio campeia solitário Por sobre o peito meu. Lá no solo onde o cardo apenas medra Boceja a Esfinge colossal de pedra Fitando o morno céu. De Tebas nas colunas derrocadas As cegonhas espiam debruçadas O horizonte sem fim ... Onde branqueia a caravana errante, E o camelo monótono, arquejante Que desce de Efraim ....................................... Não basta inda de dor, ó Deus terrível?! É, pois, teu peito eterno, inexaurível De vingança e rancor?... E que é que fiz, Senhor? que torvo crime Eu cometi jamais que assim me oprime Teu gládio vingador?! ........................................ Foi depois do dilúvio... um viadante, Negro, sombrio, pálido, arquejante, Descia do Arará... E eu disse ao peregrino fulminado: "Cam! ... serás meu esposo bem-amado... — Serei tua Eloá. . . " Desde este dia o vento da desgraça Por meus cabelos ululando passa O anátema cruel. As tribos erram do areal nas vagas, E o nômade faminto corta as plagas No rápido corcel. Vi a ciência desertar do Egito... Vi meu povo seguir — Judeu maldito — Trilho de perdição. Depois vi minha prole desgraçada Pelas garras d'Europa — arrebatada — Amestrado falcão! ... Cristo! embalde morreste sobre um monte Teu sangue não lavou de minha fronte A mancha original. Ainda hoje são, por fado adverso, Meus filhos — alimária do universo, Eu — pasto universal... Hoje em meu sangue a América se nutre Condor que transformara-se em abutre, Ave da escravidão, Ela juntou-se às mais... irmã traidora Qual de José os vis irmãos outrora Venderam seu irmão. Basta, Senhor! De teu potente braço Role através dos astros e do espaço Perdão p'ra os crimes meus! Há dois mil anos eu soluço um grito... escuta o brado meu lá no infinito, Meu Deus! Senhor, meu Deus!!... São Paulo, 11 de junho de 1868

Por Castro Alves

Oh! Bendito o que semeia Livros... livros à mão cheia... E manda o povo pensar! O livro, caindo n'alma É germe – que faz a palma, É chuva – que faz o mar!

Por Castro Alves

Prendi meus afetos, formosa Pepita... mas, onde? No tempo? No espaço? Nas névoas? Não rias... Prendi-me num laço de fita!

Por Castro Alves

Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança, Estandarte que a luz do sol encerra E as promessas divinas da esperança

Por Castro Alves

O "Adeus" de Teresa A vez primeira que eu fitei Teresa, Como as plantas que arrasta a correnteza, A valsa nos levou nos giros seus E amamos juntos E depois na sala "Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala E ela, corando, murmurou-me: "adeus." Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . . E da alcova saía um cavaleiro Inda beijando uma mulher sem véus Era eu Era a pálida Teresa! "Adeus" lhe disse conservando-a presa E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!" Passaram tempos sec'los de delírio Prazeres divinais gozos do Empíreo ... Mas um dia volvi aos lares meus. Partindo eu disse - "Voltarei! descansa!. . . " Ela, chorando mais que uma criança, Ela em soluços murmurou-me: "adeus!" Quando voltei era o palácio em festa! E a voz d'Ela e de um homem lá na orquestra Preenchiam de amor o azul dos céus. Entrei! Ela me olhou branca surpresa! Foi a última vez que eu vi Teresa! E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"

Por Castro Alves

O laço de fita Não sabes, criança? 'Stou louco de amores... Prendi meus afetos, formosa Pepita. Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?! Não rias, prendi-me Num laço de fita. Na selva sombria de tuas madeixas, Nos negros cabelos da moça bonita, Fingindo a serpente qu'enlaça a folhagem, Formoso enroscava-se O laço de fita. Meu ser, que voava nas luzes da festa, Qual pássaro bravo, que os ares agita, Eu vi de repente cativo, submisso Rolar prisioneiro Num laço de fita. E agora enleada na tênue cadeia Debalde minh'alma se embate, se irrita... O braço, que rompe cadeias de ferro, Não quebra teus elos, Ó laço de fita! Meu Deusl As falenas têm asas de opala, Os astros se libram na plaga infinita. Os anjos repousam nas penas brilhantes... Mas tu... tens por asas Um laço de fita. Há pouco voavas na célere valsa, Na valsa que anseia, que estua e palpita. Por que é que tremeste? Não eram meus lábios... Beijava-te apenas... Teu laço de fita. Mas ai! findo o baile, despindo os adornos N'alcova onde a vela ciosa... crepita, Talvez da cadeia libertes as tranças Mas eu... fico preso No laço de fita. Pois bem! Quando um dia na sombra do vale Abrirem-me a cova... formosa Pepital Ao menos arranca meus louros da fronte, E dá-me por c'roa... Teu laço de fita.

Por Castro Alves

A canção do africano Lá na úmida senzala, Sentado na estreita sala, Junto ao braseiro, no chão, Entoa o escravo o seu canto, E ao cantar correm-lhe em pranto Saudades do seu torrão... De um lado, uma negra escrava Os olhos no filho crava, Que tem no colo a embalar... E à meia voz lá responde Ao canto, e o filhinho esconde, Talvez pra não o escutar! "Minha terra é lá bem longe, Das bandas de onde o sol vem; Esta terra é mais bonita, Mas à outra eu quero bem! "0 sol faz lá tudo em fogo, Faz em brasa toda a areia; Ninguém sabe como é belo Ver de tarde a papa-ceia! "Aquelas terras tão grandes, Tão compridas como o mar, Com suas poucas palmeiras Dão vontade de pensar ... "Lá todos vivem felizes, Todos dançam no terreiro; A gente lá não se vende Como aqui, só por dinheiro". O escravo calou a fala, Porque na úmida sala O fogo estava a apagar; E a escrava acabou seu canto, Pra não acordar com o pranto O seu filhinho a sonhar! ............................ O escravo então foi deitar-se, Pois tinha de levantar-se Bem antes do sol nascer, E se tardasse, coitado, Teria de ser surrado, Pois bastava escravo ser. E a cativa desgraçada Deita seu filho, calada, E põe-se triste a beijá-lo, Talvez temendo que o dono Não viesse, em meio do sono, De seus braços arrancá-lo!

Por Castro Alves

A praça é do povo como o ceú é do condor.

Por Castro Alves

Bendito aquele que semeia livros e faz o povo pensar.

Por Castro Alves

Eu sou como a garça triste Que mora a beira do rio

Por Castro Alves

Ai! Que vale a vingança, pobre amigo. Se na vingança, a honra não se lava?

Por Castro Alves