Frases e palavras de impacto de Filipa Leal!

Não temos uma arma apontada à cabeça, dizias-me. Mas era impossível que não visses, impossível. Eu ao teu lado com aquela dor no pescoço, imóvel, cuidadosa, o cano frio na minha testa, a vida a estoirar-me a qualquer momento. Era impossível que não visses o revólver que levava sempre comigo. Por isso dormia virada para o outro lado, não era por me dar mais jeito aquele lado, era por me dar mais jeito não morrer quando nos víamos, era para dormir contigo só mais esta vez, sempre só mais esta vez, sempre com o meu amor a virar-se de costas, sempre com o teu amor apontado à cabeça.

Por Filipa Leal

⁠Se ao menos a morte tivesse revistas... Ela morria tantas vezes em tiroteios à porta de casa que já não sabia morrer para sempre assim de uma vez só. Se ao menos se marcasse um dia para a morte, uma hora certa como no dentista que apesar de tudo nos faz esperar onde apesar de tudo não sabemos quando será a nossa vez. Se ao menos a morte tivesse revistas e gente na sala de espera não estaríamos tão sós tão vivos nessa ideia final nesse desconforto. Poríamos o nome na lista quando estivéssemos prontos sabendo que seria fácil desmarcar marcar para outro dia ou simplesmente não comparecer. Depois, ficaríamos com a dor, com o terror de passar sequer naquela rua como ela à porta de casa. Ela que morria tantas vezes porque morria de medo de morrer.

Por Filipa Leal

Nos dias tristes não se fala de aves. Liga-se aos amigos e eles não estão e depois pede-se lume na rua como quem pede um coração novinho em folha. Nos dias tristes é Inverno e anda-se ao frio de cigarro na mão a queimar o vento e diz-se - bom dia! às pessoas que passam depois de já terem passado e de não termos reparado nisso. Nos dias tristes fala-se sozinho e há sempre uma ave que pousa no cimo das coisas em vez de nos pousar no coração e não fala connosco.

Por Filipa Leal

Os marinheiros invadiam as tabernas. Riam alto do alto dos navios. Rompiam a entrada dos lugares. As pessoas pescavam dentro de casa. Dormiam em plataformas finíssimas, como jangadas. A náusea e o frio arroxeavam-lhes os lábios. Não viam. Amavam depressa ao entardecer. Era o medo da morte. A cidade parecia de cristal. Movia-se com as marés. Era um espelho de outras cidades costeiras. Quando se aproximava, inundava os edifícios, as ruas. Acrescentava-se ao mundo. Naufragava-o. Os habitantes que a viam aproximar-se ficavam perplexos a olhá-la, a olhar-se. Morriam de vaidade e de falta de ar. Os que eram arrastados agarravam-se ao que restava do interior das casas. Sentiam-se culpados. Temiam o castigo. Tantas vezes desejaram soltar as cordas da cidade. Agora partiam com ela dentro de uma cidade líquida.

Por Filipa Leal

A cidade movia-se como um barco. Não. Talvez o chão se abrisse em algum lado. Não. Era a tontura. A despedida. Não. A cidade talvez fosse de água. Como sobreviver a uma cidade líquida? (Eu tentava sustentar-me como um barco.)

Por Filipa Leal

Eu não sabia que dançar era por dentro. Eu não sabia que dançar era até o fim. A vida, meu amor, é sem intervalo.

Por Filipa Leal

Demoro-me neste país indeciso que ainda procura o amor no fundo dos relógios, que se abre como se abrisse os poros solitários para que neles caiam ossos, vidros, pão. Demoro-me no ventre desta cidade que nenhum navio abandonou porque lhe faltou a água para a partida, como por vezes desaparece a estrada que nos conduz aos lugares e ali temos que ficar.

Por Filipa Leal