Frases e palavras de impacto de Ferreira Gullar!

TRADUZIR-SE Uma parte de mim é todo mundo; outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa, pondera; outra parte delira. Uma parte de mim almoça e janta; outra parte se espanta. Uma parte de mim é permanente; outra parte se sabe de repente. Uma parte de mim é só vertigem; outra parte, linguagem. Traduzir-se uma parte na outra parte — que é uma questão de vida ou morte — será arte?

Por Ferreira Gullar

Só mesmo um personagem como este [Dom Quixote] e uma história como esta, para nos exporem à nossa própria e invencível contradição: queremos a sensatez que nos protege, mas não resistimos à loucura que arrebata. E, por isso, inventamos a arte, que nos permite experimentar a loucura sem correr o risco de irmos parar num hospício.

Por Ferreira Gullar

Nova Canção do Exílio Minha amada tem palmeiras Onde cantam passarinhos e as aves que ali gorjeiam em seus seios fazem ninhos Ao brincarmos sós à noite nem me dou conta de mim: seu corpo branco na noite luze mais do que o jasmim Minha amada tem palmeiras tem regatos tem cascata e as aves que ali gorjeiam são como flautas de prata Não permita Deus que eu viva perdido noutros caminhos sem gozar das alegrias que se escondem em seus carinhos sem me perder nas palmeiras onde cantam os passarinhos

Por Ferreira Gullar

Mau Despertar Saio do sono como de uma batalha travada em lugar algum Não sei na madrugada se estou ferido se o corpo tenho riscado de hematomas Zonzo lavo na pia os olhos donde ainda escorre uns restos de treva.

Por Ferreira Gullar

Você é mais bonita que uma bola prateada de papel de cigarro Você é mais bonita que uma poça dágua límpida num lugar escondido Você é mais bonita que uma zebra que um filhote de onça que um Boeing 707 em pleno ar Você é mais bonita que um jardim florido em frente ao mar em Ipanema Você é mais bonita que uma refinaria da Petrobrás de noite mais bonita que Ursula Andress que o Palácio da Alvorada mais bonita que a alvorada que o mar azul-safira da República Dominicana Olha, você é tão bonita quanto o Rio de Janeiro em maio e quase tão bonita quanto a Revolução Cubana

Por Ferreira Gullar

Dois e Dois são Quatro Como dois e dois são quatro Sei que a vida vale a pena Embora o pão seja caro E a liberdade pequena Como teus olhos são claros E a tua pele, morena como é azul o oceano E a lagoa, serena Como um tempo de alegria Por trás do terror me acena E a noite carrega o dia No seu colo de açucena - sei que dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena mesmo que o pão seja caro e a liberdade pequena.

Por Ferreira Gullar

Um instante Aqui me tenho Como não me conheço nem me quis sem começo nem fim aqui me tenho sem mim nada lembro nem sei à luz presente sou apenas um bicho transparente.

Por Ferreira Gullar

A história humana não se desenrola apenas nos campos de batalhas e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas. Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa matéria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não tem voz.

Por Ferreira Gullar

bela bela mais que bela mas como era o nome dela? Não era Helena nem Vera nem Nara nem Gabriela nem Tereza nem Maria Seu nome seu nome era... Perdeu-se na carne fria perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia perdeu-se na profusão das coisas acontecidas mudou de cara e cabelos mudou de olhos e risos mudou de casa e de tempo mas está comigo está perdido comigo teu nome

Por Ferreira Gullar

Não-coisa O que o poeta quer dizer no discurso não cabe e se o diz é pra saber o que ainda não sabe. Uma fruta uma flor um odor que relume... Como dizer o sabor, seu clarão seu perfume? Como enfim traduzir na lógica do ouvido o que na coisa é coisa e que não tem sentido? A linguagem dispõe de conceitos, de nomes mas o gosto da fruta só o sabes se a comes só o sabes no corpo o sabor que assimilas e que na boca é festa de saliva e papilas invadindo-te inteiro tal do mar o marulho e que a fala submerge e reduz a um barulho, um tumulto de vozes de gozos, de espasmos, vertiginoso e pleno como são os orgasmos No entanto, o poeta desafia o impossível e tenta no poema dizer o indizível: subverte a sintaxe implode a fala, ousa incutir na linguagem densidade de coisa sem permitir, porém, que perca a transparência já que a coisa é fechada à humana consciência. O que o poeta faz mais do que mencioná-la é torná-la aparência pura — e iluminá-la. Toda coisa tem peso: uma noite em seu centro. O poema é uma coisa que não tem nada dentro, a não ser o ressoar de uma imprecisa voz que não quer se apagar — essa voz somos nós.

Por Ferreira Gullar

Subversiva A poesia Quando chega Não respeita nada. Nem pai nem mãe. Quando ela chega De qualquer de seus abismos Desconhece o Estado e a Sociedade Civil Infringe o Código de Águas Relincha Como puta Nova Em frente ao Palácio da Alvorada. E só depois Reconsidera: beija Nos olhos os que ganham mal Embala no colo Os que têm sede de felicidade E de justiça. E promete incendiar o país.

Por Ferreira Gullar

Como dois e dois são quatro Sei que a vida vale a pena Embora o pão seja caro E a liberdade pequena

Por Ferreira Gullar

Cantiga para não morrer Quando você for se embora, moça branca como a neve, me leve. Se acaso você não possa me carregar pela mão, menina branca de neve, me leve no coração. Se no coração não possa por acaso me levar, moça de sonho e de neve, me leve no seu lembrar. E se aí também não possa por tanta coisa que leve já viva em seu pensamento, menina branca de neve, me leve no esquecimento.

Por Ferreira Gullar

Estou na caridade da evolução do meu ser. Quero ser menina, encontro-me mulher. Quero ser mulher, vejo-me menina.

Por Ferreira Gullar

Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão; outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa, pondera; outra parte delira.

Por Ferreira Gullar

Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem.

Por Ferreira Gullar

De noite, como a luz é pouca, a gente tem impressão de que o tempo não passa ou pelo menos não escorre como escorre de dia

Por Ferreira Gullar

Em face da imprevisibilidade da vida, inventamos Deus, que nos protege da bala perdida.

Por Ferreira Gullar

A arte existe porque a vida não basta.

Por Ferreira Gullar

É melhor ser feliz do que ter razão.

Por Ferreira Gullar

Tenho que baixar a voz Porque, Se falo alto, Não me escuto

Por Ferreira Gullar

Uma parte de mim é permanente: outra parte se sabe de repente

Por Ferreira Gullar

Como um tempo de alegria, por trás do terror me acena,... E a noite carrega o dia, no seu colo de açucena... Sei que dois e dois são quatro, Sei que a vida vale a pena... mesmo que o pão seja caro e a liberdade, pequena...

Por Ferreira Gullar

Detesto lamúrias, quero é ser feliz. Uma vez, discuti feio com a Cláudia [companheira de Gullar]. Fiquei sozinho em casa, cheio de razão e triste pra cacete. Então, pra que querer ter sempre razão? Não quero ter razão, quero é ser feliz.

Por Ferreira Gullar

Porque nada do que foi feito satisfaz a vida, nada enche a vida. A vida é viver.

Por Ferreira Gullar