Frases e palavras de impacto de Claudia Roquette-Pinto!

Por que você me abandona à poesia Por que você me abandona no vértice da vertigem quando a chuva cai (um Magritte) sobre rosas que desistiram? Por que novamente me perco entre hortênsias, no aclive, mais altas que homens, mais vivas que o Exército de Terracota? Sem você eu caminho no plano, tudo escorre – há um silêncio aturdido uma cota do que morre por dentro daquilo que brota. Sem a sua luz, o que me resta? Palmilhar às cegas um quarto de veludo onde o espelho, mudo, assiste à fuga do que reflete.

Por Claudia Roquette-Pinto

(dia das mães) ESCRITA, é sempre você quem me resgata do limiar do iminente nada que borbulha em camadas de pensamentos perigosos e palavras, cepas resistentes à droga da vida. E no peito, que quase não respira, (sobre o qual de bom grado recebo o anel que aperta) ouvir florescer o buquê de promessas. Assim, rainha – tão descalça quanto um rei de carnaval – sob os pés os paetês de brilho fácil se extinguem ao passo que a cabeça-balão-de-parada a cada meneio exibe o sorriso do enforcado.

Por Claudia Roquette-Pinto

Alma Corsária De tanto sono me baixa uma lucidez estranha em que a amendoeira pousa, luminosa, rara, sob o fundo escuro da noite meio baça (cilíndrica, roliça, bizarra) seu vulto verde acocorado sobre a água da piscina que não tem um pensamento. Eu sinto inveja dessas águas anuladas tão plácidas, idênticas ao próprio contorno enquanto eu mesma nem sei onde começo, quando acabo e sofro o assédio de tudo o que me toca. O mundo ora me engole, ora me vara e tudo o que aproxima me desterra. Chorei, ao ver no chão da cela, o botão arrancado na contenda, os óculos pisados do escritor judeu. Tenho um coração que estala com o peteleco das palavras de Clarice. Numa vila miserável na Bahia, um negro lindo, lindo, dança ao som do corisco – e só me apaixono por casos perdidos, homens com um quê de irremediável. Mais de uma vez, imóvel, circunspecta, vi abrir-se a máquina do mundo sob a luz inclinada de Ipanema, na Serra da Bocaina, no meio da floresta, no alto da escada no topo do morro por onde a moça seqüestrada vinha subindo debaixo das lágrimas do pai. Mais de uma vez meu coração trincou feito vidro diante da página impressa, e sempre que a palavra justa vem tirar seu mel de dentro da copa do desespero de amor. Acredito, do fundo das minhas células, que uma amizade sincera “é o único modo de sair da solidão que um espírito tem no corpo”. Sim, eu acredito no corpo. Por tudo isso é que eu me perco em coisas que, nos outros, são migalhas. Por isso navego, sóbria, de olho seco, as madrugadas. Por isso ando pisando em brasas até sobre as folhas de relva, na trilha mais incerta e mais sozinha. Mas se me perguntarem o que é um poeta (Eu daria tudo o que era meu por nada), eu digo. O poeta é uma deformidade.

Por Claudia Roquette-Pinto

Sítio O morro está pegando fogo. O ar incômodo, grosso, faz do menor movimento um esforço, como andar sob outra atmosfera, entre panos úmidos, mudos, num caldo sujo de claras em neve. Os carros, no viaduto, engatam sua centopéia: olhos acesos, suor de diesel, ruído motor, desespero surdo. O sol devia estar se pondo, agora – mas como confirmar sua trajetória debaixo desta cúpula de pó, este céu invertido? Olhar o mar não traz nenhum consolo (se ele é um cachorro imenso, trêmulo, vomitando uma espuma de bile, e vem acabar de morrer na nossa porta). Uma penugem antagonista deitou nas folhas dos crisântemos e vai escurecendo, dia a dia, os olhos das margaridas, o coração das rosas. De madrugada, muda na caixa refrigerada, a carga de agulhas cai queimando tímpanos, pálpebras: O menino brincando na varanda. Dizem que ele não percebeu. De que outro modo poderia ainda ter virado o rosto: "Pai! acho que um bicho me mordeu!" assim que a bala varou sua cabeça?

Por Claudia Roquette-Pinto

A NOTÍCIA abriu a força as persianas do peito e as asas que vinham de fora e as asas que iam de dentro terminaram por se ferir. O corpo, sacudido, não podia mais voltar pra casa. Todo um infinito de coisas, momentos com ímã, ficou rodando à deriva no espaço tenso em que o silêncio, um gás lacrimogênio, insiste. Menos no reduto onde o luto resiste, essa flor que dói, não para de se abrir

Por Claudia Roquette-Pinto

O dia inteiro O dia inteiro perseguindo uma ideia: vaga-lumes tontos contra a teia das especulações, e nenhuma floração, nem ao menos um botão incipiente no recorte da janela empresta foco ao hipotético jardim. Longe daqui, de mim (mais para dentro) desço no poço de silêncio que em gerúndio vara madrugadas ora branco (como lábios de espanto) ora negro (como cego, como medo atado à garganta) segura apenas por um fio, frágil e físsil, ínfimo ao infinito, mínimo onde o superlativo esbarra e é tudo de que disponho até dispensar o sonho de um chão provável até que meus pés se cravem no rosto desta última flor.

Por Claudia Roquette-Pinto