Frases e palavras de impacto de Adília Lopes!

Nunca choraremos bastante termos querido ser belas à viva força eu quis ser bela e julguei que para ser bela bastava usar canudos pedi para me fazerem canudos com um ferro de frisar e papelotes puxaram-me muito pelos cabelos eu gritei disseram-me para ser bela é preciso sofrer depois o cabelo queimou-se não voltou a crescer tive de passar a andar com uma peruca para ser bela é preciso sofrer mas sofrer não nos faz forçosamente belas um sofrimento não implica como consequência uma recompensa

Por Adília Lopes

ARTE POÉTICA Escrever um poema é como apanhar um peixe com as mãos nunca pesquei assim um peixe mas posso falar assim sei que nem tudo o que vem às mãos é peixe o peixe debate-se tenta escapar-se escapa-se eu persisto luto corpo a corpo com o peixe ou morremos os dois ou nos salvamos os dois tenho de estar atenta tenho medo de não chegar ao fim é uma questão de vida ou de morte quando chego ao fim descubro que precisei de apanhar o peixe para me livrar do peixe livro-me do peixe com o alívio que não sei dizer

Por Adília Lopes

Não gosto tanto de livros como Mallarmé parece que gostava eu não sou um livro e quando me dizem gosto muito dos seus livros gostava de poder dizer como o poeta Cesariny olha eu gostava é que tu gostasses de mim os livros não são feitos de carne e osso e quando tenho vontade de chorar abrir um livro não me chega preciso de um abraço mas graças a Deus o mundo não é um livro e o acaso não existe no entanto gosto muito de livros e acredito na Ressurreição de livros e acredito que no Céu haja bibliotecas e se possa ler e escrever

Por Adília Lopes

Fizeste-me mil maldades e uma maldade muito grande que não se faz acho que devo ter sido a pessoa a quem fizeste mais maldades nem deves ter feito a ninguém uma maldade tão grande como a que me fizeste a mim não sei se tens remorsos tu dizes que não tens remorsos nenhuns porque dizes que és um vil criminoso para mim eu também sou uma vil criminosa mas não para ti desconfio que tens o remorso de ter alguns remorsos por me teres feito mil maldades e uma maldade muito grande a maldade muito grande está feita e não se faz acho que essa maldade muito grande nos aproximou um do outro

Por Adília Lopes

⁠A minha poesia é uma epopeia da vida menor. Não é a descoberta do caminho marítimo para a Índia. É o caminho do corredor de minha casa entre a sala onde escrevo e leio e a cozinha. É doméstica. É feminina.

Por Adília Lopes

o pó e o amor como o poema são feitos no dia a dia o pão come-se ou deita-se fora embrulhado (uma pomba pode visitar o lixo) o poema desentropia o pó deposita-se no poema o poema cantava o amor graças ao amor e ao poema o puzzle que eu era resolveu-se mas é preciso agradecer o pó o pó que torna o livro ilegível como o tigre o amor não se gasta os livros sim a mesa cai à passagem do cão e o puzzle fica por fazer no chão

Por Adília Lopes

Era uma vez uma mulher que tão depressa era feia como era bonita. Quando era bonita, as pessoas diziam-lhe: - Eu amo-te. E iam com ela para a cama e para a mesa. Quando era feia, as mesmas pessoas diziam-lhe: - Não gosto de ti.

Por Adília Lopes

COUP DE GRÂCE Uma mulher nunca pode apaixonar-se por um homem antes de o homem se apaixonar por ela o homem pune-a por isso e por muito mais o homem não a abate vai-se embora fechado em copas a mulher pune-se a si mesma se não tem vergonha por si tem pena menina e mãe num saco estóicas como a pescada que antes de o ser já o era

Por Adília Lopes

La femme de trente ans Amarás o meu nariz brilhante as minhas estrias os meus pontos pretos os meus textos os meus achaques e as minhas manias e as minhas gatas de solteirona ou não me amarás

Por Adília Lopes

O namorado dá flores murchas à namorada e a namorada come as flores porque tem fome Não trocam cartas nem retratos nem anéis porque são pobres Mas um dia têm muito medo de se esquecerem um do outro então apanham um cordel do chão cortam o cordel e trocam alianças feitas de cordel Não podem combinar encontros porque não têm número de telefone nem morada assim encontram-se por acaso e têm medo de não se voltarem a encontrar O acaso não os favorece Decidem nunca sair do mesmo sítio e ficarem sempre juntos para não se perderem um do outro

Por Adília Lopes

Deus não me deu um namorado deu-me o martírio branco de não o ter Vi namorados possíveis foram bois foram porcos e eu palácios e pérolas

Por Adília Lopes

⁠O que é poesia? É amor. É o que dá sabor à vida.

Por Adília Lopes

e eu gostava de chorar a fio e chorava sem um desgosto sem uma dor sem um lenço sem uma lágrima fechada à chave na casa de banho da casa da minha avó onde além de mim só estava eu

Por Adília Lopes

Preciso que me reconheçam Que me digam Olá e Bom dia Mais que espelhos preciso dos outros pra saber que eu sou eu

Por Adília Lopes

A minha Musa antes de ser a minha Musa avisou-me cantaste sem saber que cantar custa uma língua agora vou-te cortar a língua para aprenderes a cantar a minha Musa é cruel mas eu não conheço outra

Por Adília Lopes

Os amantes fecham-se um no outro (como os punhos do bebé que dorme no berço e no útero da mãe como as caras dos ícones no escuro das igrejas)

Por Adília Lopes