Frases e palavras de impacto de Astrid Cabral!

Não só terra e ar são teu elemento. A solidão que te cinge é a circunstância-mor. Povoado, o mundo mascara e te confunde bastante: família e amigos bordam com palavras e abraços a miragem das pontes a ilusão dos laços. Mas a tua carapaça refratária, intacta não trinca ao toque de nenhum afago. És sólido, insólito ovo. (A vida latejando recôndita, secreta, na gema de pedra que ninguém penetra.)

Por Astrid Cabral

Minha infância é hoje aquele peixe de prata que me escorregou da mão como se fosse sabão. Mergulho no antigo rio atrás do peixe vadio – Quem viu? Quem viu? Minha infância é hoje aquele papagaio fujão no ar, sua muda canção. Subo nos galhos da goiabeira atrás do falaz papagaio – me segura, me segura senão eu caio.

Por Astrid Cabral

Iniciação Infalível, dia após dia mergulhas no mar das trevas decúbito na cama esquife entre lençóis mortalha. O cansaço te prostra e arrasta pelas sendas abissais do nada. Em parêntesis de tempo sonhos irrompem tênues devolvendo-te do mundo quebra-cabeças e farelos. Firme instala-se o hábito da ausência e da renúncia: vais ensaiando a morte, última exigência do corpo, em teu colchão de espuma

Por Astrid Cabral

A vida não tem volta. Sobra o séquito de sombras e uma canção trôpega atravessada no peito: espada, rubra espada cravada de mau jeito. Aqueles rapazes esbeltos ai, estrangularam-se nas gravatas da rotina. Ai, crucificaram-se no lenho das doenças. Aqueles rapazes tão belos não fazem mais acrobacias nem discursos inflamados Arrastam chinelos e redes ruminam silêncio amargo. Um dia fui bela, filha, digo a surpreendê-la. Devo provar com retratos o que tem ar de mentira.

Por Astrid Cabral

Todas as tardes rego as plantas de casa. Peço perdão às árvores pelo papel em que planto palavras de pedra regadas de pranto.

Por Astrid Cabral

Pesado é o coração do escombro de teus sonhos e dos mortos que em teus ombros repousam imortais. O amor de ontem é cinza feita chumbo. Cicatrizes e rugas lavram a tua carne de aflições temperada e a vazante das veias irriga-se de subterrâneas lágrimas antigas.

Por Astrid Cabral

Tragediazinha Cansou-se da eterna espera o morno amor chove-não-molha e retirou seu cavalinho da chuva peneirando lá fora. Casou-se com a igreja o fogão a máquina de costura e recheou os frios dias de tríduos e novenas biscoitos bolos rendas. Mas na calada da noite no recato escuro ainda embala o velho sonho de um amor absoluto.

Por Astrid Cabral

O mundo? Aquele quintal pulando cercas e ruas até mergulhar raízes no raso rio vizinho.

Por Astrid Cabral

Navio-esquife Correm as águas do rio Corre veloz o navio Entre as faces do vento Entre as faces do tempo Corremos nós. Ao abraço de que foz Viajam as águas Viajamos nós? Árvores nas margens Céleres passam Sob remansos de céu Onde se apaga o sol. Eis que longe o porto acende seu colar de luzes: Grinalda para os mortos Que no navio-esquife Ante-somos todos.

Por Astrid Cabral

Áureos tempos aqueles quando na manhãzinha goiaba colhíamos no cerrado gabirobas ainda vestidas de orvalho. Pés e patas competiam no capim pródigo de carrapichos. Gestos elásticos ultra-rápidos assustávamos insetos e aves. Um séquito de suaves súditos nos seguia em semi-adoração nós, os príncipes daquele feudo. Depois, o asfalto rasgou o campo. Cogumelos de concreto brotaram. Cresceram as crianças e a cidade. Anãs ficaram as árvores aos pés de edifícios colossais. Sumiram pássaros gabirobas araçás. Fim de passeios e piqueniques. Só ficou a fome funda das frutas no vão sem remissão das bocas .

Por Astrid Cabral