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Motivo Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta. Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e dias no vento. Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, — não sei, não sei. Não sei se fico ou passo. Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: — mais nada.
Por Cecília MeirelesO amor nunca morre de morte natural. Añais Nin estava certa. Morre porque o matamos ou o deixamos morrer. Morre envenenado pela angústia. Morre enforcado pelo abraço. Morre esfaqueado pelas costas. Morre eletrocutado pela sinceridade. Morre atropelado pela grosseria. Morre sufocado pela desavença. Mortes patéticas, cruéis, sem obituário e missa de sétimo dia. Mortes sem sangramento. Lavadas. Com os ossos e as lembranças deslocados. O amor não morre de velhice, em paz com a cama e com a fortuna dos dedos. Morre com um beijo dado sem ênfase. Um dia morno. Uma indiferença. Uma conversa surda. Morre porque queremos que morra. Decidimos que ele está morto. Facilitamos seu estremecimento. O amor não poderia morrer, ele não tem fim. Nós que criamos a despedida por não suportar sua longevidade. Por invejar que ele seja maior do que a nossa vida. O fim do amor não será suicídio. O amor é sempre homicídio. A boca estará estranhamente carregada. Repassei os olhos pelos meus namoros e casamentos. Permiti que o amor morresse. Eu o vi indo para o mar de noite e não socorri. Eu vi que ele poderia escorregar dos andares da memória e não apressei o corrimão. Não avisei o amor no primeiro sinal de fraqueza. No primeiro acidente. Aceitei que desmoronasse, não levantei as ruínas sobre o passado. Fui orgulhoso e não me arrependi. Meu orgulho não salvou ninguém. O orgulho não salva, o orgulho coleciona mortos. No mínimo, merecia ser incriminado por omissão. Mas talvez eu tenha matado meus amores. Seja um serial killer. Perigoso, silencioso, como todos os amantes, com aparência inofensiva de balconista. Fiz da dor uma alegria quando não restava alegria. Mato; não confesso e repito os rituais. Escondo o corpo dela em meu próprio corpo. Durmo suando frio e disfarço que foi um pesadelo. Desfaço as pistas e suspeitas assim que termino o relacionamento. Queimo o que fui. E recomeço, com a certeza de que não houve testemunhas. Mato porque não tolero o contraponto. A divergência. Mato porque ela conheceu meu lado escuro e estou envergonhado. Mato e mudo de personalidade, ao invés de conviver com minhas personalidades inacabadas e falhas. Mato porque aguardava o elogio e recebia de volta a verdade. O amor é perigoso para quem não resolveu seus problemas. O amor delata, o amor incomoda, o amor ofende, fala as coisas mais extraordinárias sem recuar. O amor é a boca suja. O amor repetirá na cozinha o que foi contado em segredo no quarto. O amor vai abrir o assoalho, o porão proibido, fazer faxina em sua casa. Colocar fora o que precisava, reintegrar ao armário o que temia rever. O amor é sempre assassinado. Para confiarmos a nossa vida para outra pessoa, devemos saber o que fizemos antes com ela.
Por Fabrício CarpinejarUma das armadilhas da infância é que não é preciso compreender para sentir. Na altura em que a razão é capaz de compreender o sucedido, as feridas no coração já são demasiado profundas.
Por A sombra do ventoEzequiel, EZ, 46:15, Assim prepararão o cordeiro, a oferta de cereais e o azeite todas as manhãs, em holocausto contínuo.
Por Ezequiel, Antigo Testamento"O que eu adoro em ti não são teus olhos, teus lindos olhos cheios de mistério, por cujo brilho os homens deixariam da terra inteira o mais soberbo império. O que eu adoro em ti não são teus lábios, onde perpétua juventude mora, e encerram mais perfumes do que os vales por entre as pompas festivais da aurora. O que eu adoro em ti não é teu rosto perante o qual o marmor descorara, e ao contemplar a esplêndida harmonia Fídias, o mestre, seu cinzel quebrara. O que eu adoro em ti não é teu colo, mais belo que o da esposa israelita, torre de graças, encantado asilo, aonde o gênio das paixões habita. O que eu adoro em ti não são teus seios, alvas pombinhas que dormindo gemem, e do indiscreto vôo duma abelha cheias de medo em seu abrigo tremem. O que eu adoro em ti, ouve, é tu'alma, pura como o sorrir de uma criança, alheia ao mundo, alheia aos preconceitos, rica de crenças, rica de esperança. São as palavras de bondade infinda que sabes murmurar aos que padecem, os carinhos ingênuos de teus olhos onde celestes gozos transparecem!... Um não sei quê de grande, imaculado, que faz-me estremecer quando tu falas, e eleva-me o pensar além dos mundos quando, abaixando as pálpebras, te calas. E por isso em meus sonhos sempre vi-te entre nuvens de incenso em aras santas, e das turbas solícitas no meio também contrito hei-te beijado as plantas. E como és linda assim! Chamas divinas cercam-te as faces plácidas e belas, um longo manto pende-te dos ombros salpicado de nítidas estrelas! Na doida pira de um amor terrestre pensei sagrar-te o coração demente... Mas ao mirar-te deslumbrou-me o raio... tinhas nos olhos o perdão somente!".
Por Fagundes VarelaÉ fácil ser um herói quando sua própria sobrevivência está alinhada com a de outra pessoa, quando a sua vitória é uma vitória para todo o clã.
Por Delilah S. Dawson