Frases e palavras de impacto de Ingeborg Bachmann!

Todos os dias A guerra não é mais declarada, mas mantida. O inaudito tornou-se ordinário. O herói fica longe das lutas. O fraco é deslocado para as zonas de combate. O uniforme do dia é a paciência, a condecoração, a pobre estrela da esperança sobre o coração. Ela é entregue, quando nada mais acontece, quando o fogo cerrado emudece, quando o inimigo se tornou invisível e a sombra do eterno armamento cobre o céu. Ela é entregue pela fuga diante das bandeiras pela valentia diante do amigo, pela traição de segredos indignos e a não obediência de toda ordem.

Por Ingeborg Bachmann

Uma espécie de perda Usamos a dois: estações do ano, livros e uma música. As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma cama. Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados, gastos. Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissemos. Fizemos. E estendemos sempre a mão. Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por Verões. Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma cama. Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis, idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada, (– o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um aponta- mento) sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama. De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável. Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos. Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor mais intensa. A campainha da porta era o alarme da minha alegria. Não te perdi a ti, perdi o mundo.

Por Ingeborg Bachmann

O tempo adiado Vêm aí dias piores. O tempo adiado até nova ordem surge no horizonte. Em breve deves amarrar os sapatos e espantar os cães para os charcos. Pois as vísceras dos peixes esfriaram no vento. A luz da anileira arde pobremente. Teu olhar pressente a penumbra: o tempo adiado até nova ordem desponta no horizonte. Do outro lado afunda tua amada na areia, ele sobe-lhe pelo cabelo esvoaçante, ele corta-lhe a palavra, ele ordena-lhe silêncio, ele encontra-a mortal e pronta para a despedida depois de cada abraço. Não olha para trás. Amarra teus sapatos. Espanta os cães. Joga os peixes ao mar. Anula a anileira! Vêm aí dias piores.

Por Ingeborg Bachmann

Enigma Nada mais vai chegar. Mas também o verão – e tudo o que tem nomes tão bons quanto “veraneio”– nada mais vai chegar. E não hás de chorar por isso, diz a música. Nada mais foi dito.

Por Ingeborg Bachmann

Madeira e lascas Não quero falar das vespas, pois são fáceis de reconhecer. Nem as revoluções correntes são perigosas. A morte na sequência do ruído foi desde sempre decidida. Preocupe-se, sim, com as efemérides E as mulheres, com os caçadores de domingo, os cosmetólogos, os indecisos, os bem-intencionados, com os jamais atingidos pelo desdém. Das florestas carregamos gravetos e troncos, e o sol demorou a brilhar para nós. Em êxtase com o papel na linha de montagem não reconheço os galhos, nem o musgo, fervido em tintas mais escuras, nem a palavra, talhada em córtices, real e atrevida. Usura de folhas, letreiros, cartazes negros… De dia e de noite estremece, sob estas e outras estrelas, a máquina da fé. Mas na madeira, enquanto ainda está verde, e com a bílis, enquanto ainda está amarga, sigo disposta a escrever o que era no início! Tratem de ficar acordados! A marca das lascas que esvoaçaram avança com o enxame de vespas, e na fonte arrepiam-se face à tentação, que primeiro nos enfraquecia, os cabelos.

Por Ingeborg Bachmann

Dizer o obscuro Assim como Orfeu, toco a morte nas cordas da vida e ante a beleza do mundo e de teus olhos, que comandam o céu, só sei dizer o obscuro. Não esqueças que tu também, de repente, naquela manhã, teu leito ainda úmido de orvalho e o cravo dormindo perto de teu coração, viste o rio obscuro passar por ti. A corda do silêncio estendida sobre a onda de sangue, agarrei teu coração soante. Tua mecha se transformara em sombrio cabelo da noite, os flocos negros da escuridão cobriram teu rosto com neve. Mas não pertenço a ti. Agora lamentamos os dois. Mas assim como Orfeu conheço a vida ao lado da morte, e me parecem azuis teus olhos fechados para sempre.

Por Ingeborg Bachmann