Frases e palavras de impacto de Eucanaã Ferraz!

Hoje te parecem desoladas todas as avenidas. Podes senti-las em tuas roupas que cheiram ainda aos corredores que se lançavam apressados nos portões de partida. Tudo foi claro e tudo foi absurdo, como agora no poema, quando rimas e melancolia brotam ridículas, pretensamente belas como orquídeas desmedidas. Amanhã, porém, tudo estará limpo e seco e reto. Cicatrizadas as feridas, restarão contra o céu muito branco da memória não mais que a silhueta precisa — pernas braços cabelos — daqueles pinheiros, tristíssimos, e uma palavra sem nexo: Curitiba, Curitiba.

Por Eucanaã Ferraz

Pensei em mentir, pensei em fingir, dizer: eu tenho um tipo raro de, estou à beira, embora não aparente. Não aparento? Providências: outra cor na pele, a mais pálida; outro fundo para a foto: nada; os braços caídos, um mel pungente entre os dentes. Quanto à tristeza que a distância de você me faz, está perfeita, fica como está: fria, espantosa, sete dedos em cada mão. Tudo para que seus olhos vissem, para que seu corpo se apiedasse do meu e, quem sabe, sua compaixão, por um instante, transmutasse em boca, a boca em pele, a pele abrigando-nos da tempestade lá fora. Daria a isso o nome de felicidade, e morreria. Eu tenho um tipo raro.

Por Eucanaã Ferraz

Sob a luz feroz do teu rosto Amar um leão usa-se pouco, porque não pode afagá-lo o nosso desejo de afagá-lo, como tantas vezes cão ou gato aceitam-nos a mão a deslizar sobre seu pêlo; amar um leão não se devia, agora que já não somos divinos, quando a flauta que tudo encantaria, gentes animais pedras, nós a quebramos contra a ventania; amar um leão é só distância: tê-lo ao lado, não poder beijá-lo, o deserto que habita em torno dele; era mais certo amar um barco, era mais fácil amar um cavalo; amar um leão é não poder amá-lo; e nada que façamos adoça o que nele nos ameaça se amar um leão nos acontece: à visão de nosso coração ofertado, tudo nele se eriça, seu desprezo cresce; amar um leão, se nos matasse; se nos matasse o leão que amamos seria a dor maior, mais que esperada: presas patas fúria cravadas em nossa carne; mas o leão, que amamos, não nos mata.

Por Eucanaã Ferraz

Talvez você não seja mais que isto: alguém, de costas, tenta acender um cigarro ao vento. E há este oceano abstrato que vem bater em nosso quarto. É preciso cuidado, não são poucas e são altas suas ondas; escuto, mas quem compreenderia a valsa monocórdia dos afogados, feita de uma boca intraduzível? O vento dispersa o que eu diria, não chego a você, a seus ouvidos; assim também minha mão que desmorona antes de alcançar seu rosto onde do que entre nós alguma vez foi nítido embaraçam-se os fios; o vento derrama seus olhos para longe, dessalga e seca nos meus a hipótese da queixa; vento da noite, que espalha suas pedras negras no imenso metro entre nós. Talvez o mundo mais perfeito seja apenas isto: você, enfim, acende seu cigarro.

Por Eucanaã Ferraz

⁠PEDIDO Houvesse Deus e os deuses A fim de que lhes pedisse: o coração em que penso, por mais frases e bocas que beije todas ache feias e frias, e que, amanhã, ao despertar, ou à saída da boate, pense em mim quando a luz do dia sobre ele se desate.

Por Eucanaã Ferraz

⁠O DOIDO Diziam, verdade ou não, que fora rico e são e que a despeito dos bens que possuíra acabara endividado, falido e torto. Talvez por isso, embora miserável, a cabeça reta, o andar de quem governa e pisa terra extensa e sua em perambular sob o sol absoluto, absorvido sabe-se lá por que delírios. Absorvido sabe-se lá por que delírios, insultava o vento e o vazio numa agitação de cabelos e palavras e era comum vê-lo penteando com seus dedos encardidos a água das praias, como se província sua, como sua líquida mulher ou filha. Viveu assim, entre feridas e piolhos, até que desceu a noite e uma pedra veio buscá-lo.

Por Eucanaã Ferraz

⁠TERCETO Não há matéria para se fazer a tristeza nessa manhã, manhã perfeita se a mão que me deu maio fosse a tua.

Por Eucanaã Ferraz

O CORAÇÃO Quase só músculo a carne dura. É preciso morder com força.

Por Eucanaã Ferraz

⁠O SÓ Na longa alameda a luz aos pedaços cai mole do alto dos postes. Ele olha. Para que não doa, apenas olha. E não dói.

Por Eucanaã Ferraz

⁠VINHETA Ame-se o que é, como nós, efêmero. Todo o universo podia chamar-se: gérbera. Tudo, como a flor, pulsa e arde e apodrece. Sei, repito ensinamento já sabido e lições não dizem mais que margaridas e junquilhos. Lições, há quem diga, são inúteis, por mais belas. Melhor, porém, acrescento, se azuis, vermelhas, amarelas.

Por Eucanaã Ferraz

⁠GRAÇA Não saberia dizer a hora em que me desfizera de tudo o que não era teu, quando cada coisa se deixou cobrir por tua presença sem margens e deixou de haver um lado que fosse fora de ti.

Por Eucanaã Ferraz