Frases e palavras de impacto de Cristiane Sobral!

A Mão e a Luva Eu hoje comi um poema com pão Seco Ontem não fiz nenhuma refeição Amanhã talvez uma sopa de letrinhas Há dias que não brota poema algum Acordo e mantenho o jejum Até que anoiteça Mas as palavras um dia brotam Como água dos rios Como chuva Há poemas que caem Há poemas que cabem Como uma luva E alimentam a alma.

Por Cristiane Sobral

Não Vou Mais Lavar os Pratos Não vou mais lavar os pratos. Nem vou limpar a poeira dos móveis. Sinto muito. Comecei a ler. Abri outro dia um livro e uma semana depois decidi. Não levo mais o lixo para a lixeira. Nem arrumo a bagunça das folhas que caem no quintal. Sinto muito. Depois de ler percebi a estética dos pratos, a estética dos traços, a ética, A estática. Olho minhas mãos quando mudam a página dos livros, mãos bem mais macias que antes e sinto que posso começar a ser a todo instante. Sinto. Qualquer coisa. Não vou mais lavar. Nem levar. Seus tapetes para lavar a seco. Tenho os olhos rasos d’água. Sinto muito. Agora que comecei a ler quero entender. O porquê, por quê? e o porquê. Existem coisas. Eu li, e li, e li. Eu até sorri. E deixei o feijão queimar... Olha que feijão sempre demora para ficar pronto. Considere que os tempos são outros... Ah, esqueci de dizer. Não vou mais. Resolvi ficar um tempo comigo. Resolvi ler sobre o que se passa conosco. Você nem me espere. Você nem me chame. Não vou. De tudo o que jamais li, de tudo o que jamais entendi, você foi o que passou Passou do limite, passou da medida, passou do alfabeto. Desalfabetizou. Não vou mais lavar as coisas e encobrir a verdadeira sujeira. Nem limpar a poeira e espalhar o pó daqui para lá e de lá pra cá. Desinfetarei minhas mãos e não tocarei suas partes móveis. Não tocarei no álcool. Depois de tantos anos alfabetizada, aprendi a ler. Depois de tanto tempo juntos, aprendi a separar meu tênis do seu sapato, minha gaveta das suas gravatas, meu perfume do seu cheiro. Minha tela da sua moldura. Sendo assim, não lavo mais nada, e olho a sujeira no fundo do copo. Sempre chega o momento de sacudir, de investir, de traduzir. Não lavo mais pratos. Li a assinatura da minha lei áurea escrita em negro maiúsculo, em letras tamanho 18, espaço duplo. Aboli. Não lavo mais os pratos Quero travessas de prata, Cozinha de luxo, e joias de ouro. Legítimas. Está decretada a lei áurea.

Por Cristiane Sobral

Sina Cuspiram na minha cara Rindo alto Porque uma preta Nesse país Não vale nada! Por que eu não reagi? Eu não sabia que era gente Meu senhor Eu não sabia Eu era temente à Deus Mas mesmo na igreja Sempre fui humilhada Uma preta nessa terra Onde Jesus foi pintado Branco, de olhos azuis Como pode deixar de lado sua cruz?

Por Cristiane Sobral

Retina Negra Sou preta fujona Recuso diariamente o espelho Que tenta me massacrar por dentro Que tenta me iludir com mentiras brancas Que tenta me descolorir com os seus feixes de luz Sou preta fujona Preparada para enfrentar o sistema Empino o black sem problema Invado a cena Sou preta fujona Defendo um escurecimento necessário Tiro qualquer racista do armário Enfio o pé na porta e entro

Por Cristiane Sobral

Tente me Amar Tente me amar Enquanto a chuva não vem Depois que o leite derramar Ame como nunca amou ninguém Tente me amar Sem pensar em voltar No balanço do trem Esperando a hora certa De fazer um neném Tente me amar Sem desculpas pra me deixar De anel no dedo Ame completamente sem medo Tente me amar Sem me confundir com ninguém Enquanto seu lobo não vem Tente me amar E consiga.

Por Cristiane Sobral

O Meu Pente O meu pente é diferente funciona muito bem não é um pente ruim! é próprio para o meu pixaim Não deboche não provoque vou deixar você sem jeito espetar o seu preconceito Sim, sou negra negra do cabelo puro agora vou cutucar seu preconceito com meu triunvirato da diferença Meu cabelo não é duro afirmo a dialética da percepção nem bom, nem ruim, nem melhor a alteridade de ser quem eu sou Diferente, o meu pente quase um tridente transforma a ordem sem fazer desordem Diante do princípio do caos convida o sistema a refazer as suas concepções para desafiar a história única.

Por Cristiane Sobral